Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcius Freire (UNICAMP)

Minicurrículo

    Professor Associado (Livre-docente) do Dept. de Cinema e do PPG em Multimeios da UNICAMP. Autor de Documentário. Ética, estética e formas de representação, além de inúmeros artigos e capítulos de livros sobre o campo fílmico. Organizou com Philippe Lourdou, Université de Paris X–Nanterre, o livro Descrever o Visível. Cinema documentário e antropologia fílmica; coedita com Manuela Penafria, Universidade da Beira Interior-Portugal, o periódico Doc on-line. Revista Digital de Cinema Documentário.

Ficha do Trabalho

Título

    Documentário e guerra fria. Chris Marker e a série “On vous parle de”

Seminário

    Cinema e Ciências Sociais: diálogos e aportes metodológicos

Resumo

    Pioneiro do filme-ensaio, militante engajado nos movimentos sociais e revolucionários no auge da guerra fria, Chris Marker coordenou, logo após os eventos de 1968, a realização de uma série de documentários de contrainformação intitulada “On vous parle de”. Dois deles se debruçaram sobre a ditadura militar brasileira: “On vous parle du Brésil: tortures” e “On vous parle du Brésil: Marighella”.A partir desses filmes examinaremos o papel do documentário nos anos de chumbo de nossa história recente

Resumo expandido

    O cinema sempre esteve presente nos grandes momentos da história, desde o seu nascimento até hoje, em suas formas e suportes os mais diversos. Segundo Christian Zimmer, em seu livro “Cinéma et politique” (1974), já em 1896, um ano apenas após o registro de sua certidão de nascimento, a Biograph roda um filme sobre a campanha do candidato William McKinley à presidência dos Estados Unidos, que venceu as eleições e vem a ser assassinado em 1901. Em 1899 Méliès e a Pathé fazem filmes sobre o “affaire Dreyfus”. Méliès queria convencer o espectador da inocência de Dreyfus e o filme foi proibido na França até 1950. Os ingleses, em 1899, tentam mobilizar a opinião pública com um filme contra o inimigo sul-africano. Um certo Cecil Hepworth realiza então “Soldados ingleses arrancam a bandeira boer”. No mesmo diapasão, os americanos exploram a guerra contra a Espanha em “Combate naval em Cuba” (1888). Vê-se, a partir desses poucos exemplos, que os políticos, governos e forças armadas, identificaram de imediato o poder de persuasão que o novo instrumento de registrar o mundo histórico abrigava. Nascia então o filme de propaganda. A partir de então, o cinema seria mais uma arma nos processos de convulsão social que eclodiram todo ao longo do século XX. A revolução russa de 1917 foi pródiga na utilização dessa arma e seus mais exímios portadores dispensam apresentações. No outro extremo do espectro ideológico, o regime nazista não foi menos prolífico no manejo do aparato cinematográfico. O uso que um e outro regimes faziam deste último tinha muitas semelhanças. Uma amostragem emblemática: a União Soviética colocou nos trilhos o trem de Medvekin; a Alemanha Nacional Socialista pôs em marcha uma série de ônibus que percorriam as autoestradas do país cortando-o em todos os quadrantes. Em comum? Ambos os engenhos possuíam equipamentos de registro, revelação e projeção de artefatos audiovisuais que faziam a alegria das populações com as quais cruzavam em seus estudados percursos. Essa afinidade em suas estratégias de propaganda levou o historiador Marc Ferro a afirmar que o cinema tinha sido acaparado por regimes “degenerados”, uma vez que as democracias burguesas eram preconceituosas em relação a ele.
    No entanto, da mesma forma que alguns poderes estabelecidos lançavam mão da máquina cinematográfica para modelar corações e mentes, grupos organizados se formavam e buscavam se servir das mesmas armas imagéticas para praticar procedimentos de contrainformação e, assim, divulgar suas ideias e denunciar as exações daqueles poderes.
    Durante a guerra fria, muitas regiões do planeta estavam sob o domínio de ditaduras, na maioria militares. A América Latina era uma dessas regiões. Aqui, movimentos de reação ao totalitarismo proliferaram, muitos deles armados, com vistas à derrubada dos tiranos e a implantação do socialismo. O cinema desempenhou o seu papel de instrumento de contrainformação e denúncia das condições sociais e políticas impostas por tais regimes. São numeras as realizações que hoje se tornaram clássicos do filme militante, como era chamado à época. Nosso objetivo nesta comunicação é explorar alguns desses filmes prospectando o papel que representaram no processo de reação à ditadura militar no Brasil. Ênfase será dada à série “On vous parle de”, realizada pelo coletivo SLON – “Société pour le lancement des œuvres nouvelles”, criado e coordenado por Chris Marker.

Bibliografia

    Avelar, José Carlos, “Seeing, Hearing, Filming: Notes on the Brazilian Documentary”, in: Johnson, Randal & Stam, Robert, Brazilian Cinema, Austin: University of Texas Press, 1982, pp. 328-339.
    Burton, Julianne (Ed.), The Social Documentary in Latin America, Pittsburgh: Latin America Series, 1990.
    Chanan, Michael, The Politics of Documentary, London: BFI, 2007.
    Guzman, Patrício. “Los desafíos de la realidad: Una entrevista con Patricio Guzmán” por Andrés e Santiago Rubín de Cellis. In Doc On-line 2008 – número 8/2010. Disponível em http://www.doc.ubi.pt/08/doc08.pdf
    Lupton, Catherine. Chris Marker. Memories of the Future, London: Reaction Books, 2006.
    Hennebelle, Guy, Gumucio-Dragon, Alfonso (Orgs), Les cinemas de l’Amérique Latine, Paris: Lherminier, 1981.
    Medvedkin, Alexander, El cine como propaganda política. 294 días sobre ruedas, Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 1973.
    Nichols, Bill. Engaging Cinema. Un Introduction do Film Studies, New York: W. W. Norton & Company, 2010.