Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Carolina Roure Malta de Sá (UnB)

Minicurrículo

    Possui graduação em Letras (português/inglês), pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2007), especialização em Filosofia da Arte, pelo Instituto de Filosofia e Teologia do Estado de Goiás (2008) e Mestrado em Comunicação Social, na linha Imagem e Som, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (2014). Doutoranda na Pós-Graduação em Comunicação Social, na linha Imagem e Som. Atualmente leciona a disciplina História da Arte e do Cinema, na Faculdade Mauá de Brasília.

Coautor

    Susana Dobal (UnB)

Ficha do Trabalho

Título

    Direção de fotografia: Impressionismo e Barroco em Lavoura Arcaica

Resumo

    O filme Lavoura Arcaica (2001), de Luís Fernando Carvalho, baseou-se no romance homônimo de Raduan Nassar. A direção de fotografia de Walter Carvalho desenvolve uma estética relacionada a dois momentos da história da arte e do cinema: o Impressionismo e o Barroco. O artigo investiga, a partir da fotografia, como se configuram as relações entre a obra cinematográfica e o uso da luz nesses dois momentos, e de que modo esse diálogo atua na construção da narrativa.

Resumo expandido

    Lavoura Arcaica (2001), de Luís Fernando Carvalho, uma narrativa baseada no romance homônimo de Raduan Nassar, é considerado um filme marcante para o cinema brasileiro, pela afinidade da sua linguagem com o processo artístico da expressão. A direção de fotografia de Walter Carvalho, que combina com as experimentações de linguagem empreendidas pelo diretor do filme, desenvolve uma estética relacionada a dois momentos da história da arte e do cinema: o Impressionismo e o Barroco. O trabalho investiga, a partir da fotografia, como se configuram as relações entre o filme e o uso da luz nesses dois momentos, e de que modo esse diálogo atua na construção da narrativa.
    Lavoura arcaica narra a história de André, que resolve ir embora de casa, a fim de se libertar da autoridade do pai e esquecer a paixão por sua irmã Ana que tanto o angustia. O filme traz uma direção de fotografia que busca na linguagem literária um fio condutor para desenvolver a linguagem visual. O fotógrafo afirma, por exemplo, que, para criar a iluminação, partiu da seguinte frase do livro: “era boa a luz doméstica da nossa infância” (NASSAR, 2014).
    Ele traduziu então para a fotografia uma luz clara, diurna, que acompanha o André menino, estabelecendo um diálogo com o Impressionismo ao enfatizar os efeitos da luz sobre a paisagem (SCHAPIRO, 2002). É uma luz intensa, um excesso de claridade que se relaciona também ao excesso de afeto da mãe. Essa luz impressionista se contrapõe à luz tenebrista do pai autoritário, emocionalmente distante, portador da verdade absoluta, que fala os sermões na fazenda iluminada apenas por uma luz de lampião.
    O tratamento de luz e sombra ou o uso excessivo da luminosidade na fotografia metaforiza duas divisões fundamentais para a narrativa: o conflito entre a postura distanciada do pai e o afeto transbordante da mãe e, ainda, a luz da infância de André em oposição à luz noturna (CORRAIN, 2004) e sombria de sua vida adulta. Os contrastes claro-escuro também presentificam sentimentos de angústia e pessimismo, criando uma atmosfera sombria e tensa, além de evidenciar a interioridade sombria de André.
    A iluminação contrastada em Lavoura Arcaica dialoga com o Tenebrismo de Caravaggio, que consiste “no uso da luz em termos emocionais” (TREVISAN, 2003: 240). Essa técnica de iluminação “[…] dotou a Arte Barroca de seu recurso estilístico por excelência: o contraste. Efetivamente, o eros barroco é um eros de antítese, de oposições estridentes, de sentimentos conflituosos. É uma arte de movimentos que se contrariam” (TREVISAN, 2003: 241). A adaptação cinematográfica traz uma narrativa com fortes contrastes humanos e a fotografia marcada pelo uso exacerbado de uma iluminação claro-escuro metaforiza essas oposições.
    As formalizações estéticas tornam visíveis os aspectos invisíveis relativos ao conteúdo. Segundo Klee (2001:23), “as obras de arte não só reproduzem com vivacidade o que é visto, mas também tornam visível o que é vislumbrado em segredo”. No filme, forma e conteúdo são inseparáveis, elas se completam e se produzem ao mesmo tempo. O tratamento dado à imagem termina servindo para desvendar o que é apenas insinuado pela narrativa, ou seja, para intensificar a experiência dos personagens que a narrativa pretende explorar. A fotografia revela-se, portanto, como elemento-chave e não simplesmente como mera técnica de captação de imagens, configurando-se como agente que contribui para a construção do sentido do filme.
    Para pensar a direção de fotografia em Lavoura Arcaica retoma-se Klee (2001:43): “A arte não reproduz o visível, mas torna visível”. Assim, o diretor não reproduz as obras do Barroco ou do Impressionismo, mas torna visível aspectos desses movimentos que, combinados com a linguagem cinematográfica, resultam em formalizações estéticas que materializam o infigurável (CORRAIN, 2004). A “lavoura cinematográfica” é ela mesma arcaica, pois dialoga também com o tempo da história da arte, podendo ela emergir a qualquer momento do filme.

Bibliografia

    CARVALHO, Walter. Fotografias de um filme. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

    CORRAIN, Lúcia. A espacialidade no quadro à luz noturna e a construção da intimidade. In: OLIVEIRA, Ana Cláudia de (Org.). Semiótica plástica. São Paulo: Hacker, 2004.

    Étude Cinématographique – Baroque et Cinéma. N. 1-2. Printemps, 1960.

    KLEE, Paul. Sobre a arte moderna e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

    MARTINS, Fernanda A. C. . Impressionismo Francês. In: MASCARELLO, Fernando (Org.). História do Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006.

    NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

    NEYRAT, Cyrill. “Errance dans les ruines circulaires.” Vertigo (Special Issue: Projection Baroques): 39-50. Paris: Jean-Michel Place et Sueurs froides-Vertigo; Marseille: Musées de Marseille, 2000.

    SCHAPIRO, Mayer. Impressionismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

    TREVISAN, Armindo. O rosto de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. Porto Alegre: AGE, 2003.