Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniela Giovana Siqueira (ECA/USP)

Minicurrículo

    Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais (ECA/USP); professora com passagem pela graduação em Cinema da PUC Minas e do Centro Universitário UNA e pela pós-graduação da Fesp-SP, Universidade de Brasília e SESC. Coordenadora entre 2003 e 2009 do Projeto Cine-Pop: cineclubismo e produção audiovisual com pessoas em trajetória de vida nas ruas de Belo Horizonte. Coordenadora responsável pelo acervo fílmico e audiovisual do Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte entre 2000 e 2009.

Ficha do Trabalho

Título

    Da tela à câmera: educação do olhar, subjetivação e política

Seminário

    Cinema e educação

Resumo

    Esta proposta parte da análise da vivência de duas práticas cinematográficas: cineclubismo e crítica cinematográfica que amalgamaram jovens das décadas de 1950 a 1970, na cidade de Belo Horizonte, resultando nas primeiras experiências de realização cinematográfica de uma geração. Acreditamos que este exemplo nos permite pensar a presença do cinema na sociedade como prática educadora de um olhar político e estético para a vida, conformadora de uma cena que enuncia a subjetivação do sujeito.

Resumo expandido

    Esta proposta se dedica a apresentar um intricado processo, constituído pela prática cineclubista e pelo desenvolvimento de uma crítica cinematográfica altamente especializada entre as décadas de 1950 e 1970 na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, para refletir sobre as relações entre educação audiovisual e produção cinematográfica.

    O foco de análise se concentra em cinco cineastas e seus primeiros longas-metragens. São eles: Maurício Gomes Leite com A Vida Provisória (1968); Carlos Alberto Prates Correia com Crioulo Doido (1970); Geraldo Veloso com Perdidos e Malditos (1970); Sylvio Lanna com Sagrada Família (1970) e Schubert Magalhães com O Homem do Corpo Fechado (1972).

    Os diretores integraram durante anos o Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC), fundado em 1951, pelo crítico Cyro Siqueira. As sessões de sábado seguiam um ritual sagrado: apresentação do filme, exibição e debate entre os críticos, sócios e espectadores. Discussões que continuavam noite adentro pelos bares do Edifício Maletta, reduto da boemia de esquerda, no centro da capital.

    Para Maurício Gomes Leite (1979, s.p apud Ribeiro, 1997, p. 44) “o CEC era a busca ‘do outro’ e ele estava talvez menos na tela do que nas panorâmicas que fazíamos em volta de nós mesmos, numa espécie de desafio e competição que acabaram dando numa ação coletiva extremamente original”.

    Eles também tiveram fortes ligações com a crítica cinematográfica veiculada na cidade de Belo Horizonte no período. Para o influente crítico Paulo Emílio Salles Gomes em texto de 29 de junho de 1961 no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo: “O Brasil só possui duas publicações cinematográficas periódicas dotadas de ambição intelectual, e ambas são editadas em Belo Horizonte, a Revista de Cinema e a Revista de Cultura Cinematográfica”. (GOMES, 1981, vol.2, p. 353-354).

    Em meados dos anos 60, instaura-se uma polêmica geracional dentro do cineclube do CEC, sobre a necessidade ou não de se realizar filmes. De um lado, o grupo dos fundadores capitaneados por Cyro Siqueira, árduos defensores do rigor da crítica. De outro, uma segunda geração de cequianos, cada vez mais excitados pelo desejo de produção.

    Sobre esse debate torna-se flagrante o depoimento de Geraldo Veloso (2001, p. 185) que afirma “Pertenço a uma geração que começou, no CEC, um discurso que manifestava a intenção de realização de filmes. Os textos dos substitutos eventuais de Cyro Siqueira no Estado de Minas, sobretudo Maurício Gomes Leite e Flávio Pinto Vieira, nos chamavam a atenção para um universo de produção de cinema que começava a incendiar o exercício crítico e de realização no mundo inteiro: a Nouvelle Vague francesa. (…) Mas havia um prevalecimento do pensamento e do criticismo escrito. A reflexão sobre o cinema tinha a prioridade sobre o fazer filmes”.

    Esta proposta é guiada pela busca de entendimento de um conceito teórico central, denominado cena de dissenso, postulado por Jacques Rancière. Para o autor, nas trocas políticas dadas em sociedade é preciso que se estabeleça uma cena de dissenso que permita uma redescrição e reconfiguração do mundo comum da experiência. Dentro desta perspectiva, para Rancière (2012, p. 48), “dissenso quer dizer uma organização do sensível na qual não há realidade oculta sob as aparências, nem regime único de apresentação e interpretação do dado que imponha a todos a sua evidência”. Segundo Rancière (2010), essa cena só pode ser constituída por sujeitos políticos, operadores de dispositivos particulares de subjetivação, que constroem cenas de enunciação e de manifestação.

    Filmar o primeiro longa-metragem, operando com isso dispositivos particulares de subjetivação, como nos aponta Rancière, conforma a partir do conjunto da experiência apresentada, cenas de enunciação e manifestação de um dissenso passível de ser investigado naquele conjunto histórico e, no presente, pensar as relações entre educação do olhar e prática audiovisual em nossa atual sociedade.

Bibliografia

    GOMES, Paulo Emílio Salles. Crítica de Cinema no Suplemento Literário. Volumes 1 e 2. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

    LEITE, Maurício Gomes. “A vida provisória ou a crítica filmada”. Jornal de Brasília, Brasília, s.n, 14 de agosto de 1975.

    MIRANDA, Marcelo e CICCARINI, Rafael. (org.). Revista de Cinema: antologia, volumes 1 e 2. Rio de Janeiro: Azougue, 2014.

    RANCIÈRE, Jacques. “Ten Theses on Politics”, Theory & Event, v.5, n.3, 2001.

    _________________. Política, policía, democracia. Santiago: LOM Ediciones, 2006.

    VELOSO, Geraldo. “CEC e cinema brasileiro. In: COUTINHO, Mário Alves, GOMES, Paulo Augusto (org.). Presença do CEC – 50 anos de cinema em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Crisálida, 2001, p. 183-197.