Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Felipe Corrêa Bomfim (UNICAMP)

Minicurrículo

    Felipe Corrêa Bomfim é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde realizou sua pesquisa de mestrado. Durante a sua graduação, em Cinema pela Universidade de Bolonha (Itália), realizou um intercâmbio de um ano na Universidade de Colônia na Alemanha e estagiou na Cinemateca de Viena, com o apoio do Projeto Leonardo da Vinci da União Europeia.

Ficha do Trabalho

Título

    A voz das “Mulheres xavantes sem nome”: empoderamento e reivindicação

Resumo

    Estudamos o documentário Pi’onhitsi,Mulheres xavantes sem nome (2009), de Divino Tserewahú e Tiago Campos Tôrres. Os atravessamentos no âmbito geracional e de gênero são problematizados no filme diante da impossibilidade de registro de um ritual. Norteados por expedientes na imagem,nos debruçamos sobre as dinâmicas que constituíram a atualização dos símbolos e códigos do ritual Pi’onhitsi, considerando os embates entre manutenção e empoderamento, figurado nas vozes femininas implícitas no filme.

Resumo expandido

    A filmografia representativa de documentários organizados em torno do Projeto Vídeo nas Aldeias (VNA), encabeçado por Vincent Carelli em 1986, é alvo de discussão nos últimos anos em âmbito acadêmico e em festivais cinematográficos como o Festival do Filme Documentário e Etnográfico Forum Doc.BH. O projeto “Interpovos”, desenvolvido pela cineasta Andrea Tonacci no Centro de Trabalho Indigenista (CTI), ainda no final da década de 1970, é retomado por Carelli no Vídeo nas Aldeias com intenção de estabelecer uma comunicação entre as aldeias por meio de imagens (ARAUJO, 2015: 94).
    Como ponto de partida, voltamos nosso olhar para as figuras femininas nos documentários contemporâneos realizados pelo VNA. Para este estudo, selecionamos o documentário Pi’onhitsi, Mulheres xavantes sem nome (2009), de Divino Tserewahú e Tiago Campos Tôrres, haja vista os atravessamentos no âmbito geracional e de gênero suscitados neste filme. Norteados por expedientes na imagem, como o principio de agência no documentário, salientamos a existência de um contrato entre o realizador e o documentado. As nuances entre o aceite ou recusa sublinham, de modo particular, as correlações de poder social nos registros implícitos em filigrana narrativa. Os intervalos entre as falas, os pequenos silêncios presentes nos depoimentos femininos, além de elementos como a linguagem corporal, a rara presença feminina nos planos e o modo como são figuradas delineia, em Pi’onhitsi, o campo sutil da dimensão sensível, onde repousa os afetos e suas marcas nas imagens.
    A discussão toma corpo nas diversas tentativas, evidenciadas pelo diretor Divino Tserewahú, de registrar o ritual que dá o título do filme. O ritual de nomeação das mulheres xavantes perante a aldeia de Sangradouro e a adoção de uma perspectiva que sublinha os empecilhos encontrados em discutir a temática exposta sob o ponto de vista feminino, identifica a presença de ícones que buscam ser reproduzidos por meio da manutenção do ritual, traduzida pela figura dos anciãos da aldeia de Sangradouro, sendo este ritual já considerado extinto em outras comunidades xavantes.
    A presença de dois polos de embate, caracterizados pelo âmbito geracional e de gênero, são sublinhados pelo ponto de inflexão estratégico que o cineasta se coloca em investigar a causa de um ritual desatualizado no presente. Ao adotar um posicionamento que considera as dinâmicas de repulsa e aceitação do ritual de nomeação das mulheres xavantes perante a aldeia, o filme inaugura, em sua narrativa, o deslocamento de uma identidade como essência para uma identidade pensada em relação, traduzida em um caráter desterritorializado e diaspórico. Neste sentido, acompanhamos o impacto relacional da presença evangélica em Sangradouro, diante das menções dos xavantes ao pastor sobre sua opinião sobre o ritual e como detentor de algumas imagens de arquivo da comunidade.
    Pi’onhitsi apresenta as identidades como múltiplas, instáveis e historicamente situadas. Essa construção aponta na direção das considerações desenvolvidas pelos estudos culturais e, em particular, o multiculturalismo policêntrico, que volta seu olhar para uma tentativa de despojamento de vestígios colonialistas ao investir seus esforços em apoderar-se poderes dos quais eram destituídos, por meio da prática da realização cinematográfica compartilhada, participativa e interativa (STAM, 2003: 311).
    Salientamos o jogo de vozes e discursos operantes, em particular sobre a atualização de símbolos femininos no filme, que apresentam um caráter de resistência e de um posicionamento diante da reprodução de símbolos figurados pelo ritual. O impasse do registro sublinha a presença de uma voz das jovens mulheres que repousa como fenda na narrativa, questionando a autoridade dos anciãos. A passos largos de um enfrentamento, temos a problematização dos códigos até então dominantes, colocados em xeque por vozes femininas implícitas que reivindicam sua visibilidade.

Bibliografia

    ARAUJO, Juliano. Cineastas indígenas, documentário e autoetnografia: um estudo do projeto Vídeo nas Aldeias. Instituto de Artes. Tese (Doutorado) em Multimeios. Campinas: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2015.
    BERNARDET, Jean-Claude. Vídeo nas aldeias, o documentário e a alteridade. In: ARAUJO, Ana Carvalho Ziller (Org.) Vídeo nas Aldeias 25 anos: 1986-2011. Olinda: Vídeo nas Aldeias, 2011.
    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Trad. Ruben Caixeta de Queiroz et all. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
    DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004.
    HALL, Stuart. A questão multicultural. In: Da diáspora. Identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 49-93.
    NICHOLS, Bill. La representación de la realidade. Cuestiones y conceptos sobre el documental. 1. Ed. Barcelona: Paidós, 1997.
    STAM, Robert. Introdução a teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003. Trad. Fernando Mascarello.