Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Patricia Furtado Mendes Machado (UFRJ)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ, com passagem (doutorado sanduíche) pela Université Sorbonne Nouvelle Paris III. Mestre em Comunicação pela PUC-RJ. Pesquisa assuntos relativos ao documentário, memória, história, imagens de arquivo e ditadura militar. Publicou artigos e capítulos de livros sobre os temas.

Ficha do Trabalho

Título

    Eduardo Coutinho, os camponeses e os rastros de histórias esquecidas.

Seminário

    O comum e o cinema

Resumo

    Propomos uma análise estética e histórica das imagens realizadas por Eduardo Coutinho em 1962 e retomada em Cabra Marcado para Morrer (1984). Analisaremos a tomada, o que se produz da relação entre o cineasta e os camponeses, assim como o que se produz desse gestos: inscrições na película de gestos, expressões e olhares de quem foi filmado. Cruzaremos os arquivos visuais a documentos da polícia política a fim de reescrever histórias de homens e mulheres comuns que foram sufocadas pela ditadura.

Resumo expandido

    Quando escreve sobre o reencontro do cineasta Eduardo Coutinho com os camponeses em Cabra Marcado para Morrer (1984), Consuelo Lins chama atenção para o fato de que é “a luz do cinema que recupera fragmentos dessas existências que estavam destinadas a não deixar rastro, a desaparecer” (2004, p.32). A partir dessa observação, propomos pensar em possibilidades que tem o cinema de tirar existências do esquecimento, de iluminar histórias de homens e mulheres anônimos e, de outro, na função do pesquisador de buscar os rastros que eles deixaram. Assim, encaramos o desafio de dar continuidade a um compromisso com a história recente do país, levando em conta que a preservação da memória sobre as décadas autoritárias da ditadura militar ainda é uma tarefa atual.
    Partimos do mesmo pressuposto de Georges Didi-Huberman quando ele sugere que a responsabilidade política do historiador da arte (do filósofo, do artista) é a de recuperar a história, os rostos, os nomes, os destinos e as intenções dos corpos que se colocam diante e atrás das câmeras. Como bem coloca Didi-Huberman, “as imagens reclamam uma descrição, uma construção discursiva, uma restituição de sentido”. (2012, p.18). Para tanto, é preciso “reconhecê-las, criticá-las, tentar conhecê-las tão precisamente quanto possível”. (2012, p. 21).
    A partir desse pressuposto, a nossa hipótese é a de que o cinema é capaz de acrescentar camadas à disputa de memória de tempos sombrios ao retomar imagens esquecidas, clandestinas, perdidas e criar com elas novas narrativas. Recuperando essas imagens, os filmes convocam o pesquisador a portar sobre elas um novo olhar. A tarefa política da pesquisa, portanto, seria investigar os detalhes desses vestígios do passado, reconhecer os rostos filmados, analisar os traços da tomada e da retomada e buscar os fios que possam cruzá-los a outros documentos para dar visibilidade a histórias de pessoas comuns desaparecidas, assassinadas, perseguidas pelo autoritarismo.
    Foi em 1962 que Coutinho segurou uma câmera e filmou pela primeira e única vez em sua vida. Sem saber manejar o equipamento, registra na Paraíba o protesto contra a morte de um líder camponês. Por conta do golpe militar, dois anos depois, o material foi escondido e só retomado em 1984. Quando nos voltamos para o processo da filmagem nesse dia, nos deparamos com as dificuldades que o cineasta encontrou para produzir as imagens no momento em que ele mesmo se torna, além do responsável pela existência desses registros, uma testemunha dos acontecimentos. Seguindo o método da historiadora francesa Sylvie Lindeperg, que procura reconquistar a historicidade do momento da tomada na pesquisa sobre imagens da Segunda Guerra Mundial, nossa proposta é pensar sobre a tomada, sobre o olhar que enquadrou o acontecimento histórico e de que modo essas imagens podem ser atualizadas a partir do cruzamento com documentos da Política Política Brasileira.
    Em um plano que dura poucos segundos, Coutinho filma João Alfredo Dias, hoje reconhecido pelo governo brasileiro como um dos 362 mortos e desaparecidos políticos da ditadura. O líder rural foi preso dias após o golpe, teria sido liberado pelo exército e, no mesmo dia, desapareceu. As imagens de Coutinho nos levaram aos arquivos do DOPS de Pernambuco, onde encontramos farta documentação – relatórios secretos, IPMS, e até uma carta escrita de próprio punho- que trazem parte dessa história sombria à visibilidade. O que revelam esses documentos em cruzamento com esses arquivos visuais?
    Coutinho não sabia, mas estava, através do cinema, produzindo imagens que poderiam (e ainda podem) ser usadas para incluir novas camadas de sentidos à trajetória de João Alfredo Dias. Diante da câmera, o líder rural discursou com euforia. O que as imagens qdesse dia mostram do homem que a ditadura queria invisível, morto, apagado? Como a análise estética e histórica desse material de arquivo contribuem para a elaboração da memória de uma período ainda obscuro da nossa história?

Bibliografia

    AVELLAR, José Carlos. O Vazio do Quintal. IN: Eduardo Coutinho, Milton Ohata (org). São Paulo: Cosac Naify, 2013.
    COMOLLI, Jean Louis. Les temps des fantômes. IN: LINDEPERG, Sylvie. La voie des imagens: quatre histoires de tournage au printemps-été 1944. Paris: Editions Verdier, 2013
    COUTINHO, Eduardo. O real sem aspas. In: Eduardo Coutinho, Felipe Bragança (org.). Rio de Janeiro, Beco do Azougue, 2008.
    DIDI-HUBERMAN, George. Peuples Exposés, peuple figurants. L’oie de l’histoire, 4. Les Editions de Minuits, 2012.
    LINDEPERG, Sylvie. La voie des imagens: quatre histoires de tournage au printemps-été 1944. Paris: Editions Verdier, 2013
    ________________. Nuit et Brouillard- un film dan l´histoire. Odile Jacob, Janvier 2007.
    LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.