Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Machado Ramos de Almeida (ULBRA)

Minicurrículo

    Gabriela Machado Ramos de Almeida é doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS, onde desenvolveu pesquisa sobre o ensaísmo no cinema a partir da série História(s) do Cinema, de Jean-Luc Godard. Realizou estágio doutoral na Universidad Autónoma de Barcelona, sob supervisão do professor Josep Maria Català. É professora nos cursos de Jornalismo e Produção Audiovisual da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), onde também é coordenadora adjunta do curso de Jornalismo.

Ficha do Trabalho

Título

    A iconografia do sofrimento na pintura e no cinema: Goya e Godard

Mesa

    Experimentações estéticas: entre cinema, pintura e videoinstalação

Resumo

    Este trabalho se propõe a compreender a apropriação da obra do pintor espanhol Francisco de Goya feita por Jean-Luc Godard na série História(s) do cinema, a partir dos conceitos de legibilidade e visibilidade segundo Georges Didi-Huberman. Parte-se da premissa de que há uma iconografia do sofrimento em Goya que interessa a Godard, convocada especialmente nos momentos da série em que o cineasta questiona a ausência do cinema na representação de catástrofes do século XX.

Resumo expandido

    Na série História(s) do cinema (1988 e 1998), um tema recorrente preocupa Jean-Luc Godard: a impossibilidade das imagens – especialmente do cinema – de representar devidamente determinados acontecimentos do mundo histórico, sobretudo catástrofes do século XX, como o Holocausto.
    Godard se refere algumas vezes na obra à ideia de “mostrar para fazer compreender”. Se o século XX é o século do cinema e “a grande história é a história do cinema, maior do que todas as outras porque ela se projeta” (como afirma o cineasta no episódio 2A), para ele também é imprescindível refletir sobre a ausência do cinema quando ele deveria ter se feito presente. Não é que Godard desconheça tudo o que foi produzido de imagens de catástrofes, mas é justamente por conhecê-las que considera que a existência de uma infinidade de discursos visuais e audiovisuais de diversas naturezas não significa que um episódio como o Holocausto tenha sido devidamente mostrado e, consequentemente, compreendido.
    Didi-Huberman (2010 e 2012) também se interessa pela questão e questiona: como dar legibilidade a imagens de violência que são paralisantes, imagens diante das quais muitas vezes não conseguimos nem mesmo repousar os olhos? Existe, para o autor, uma diferença entre visibilidade e legibilidade – que surge, inclusive, na fala de Godard transcrita acima. Ela corresponderia, numa explicação muito breve, à distinção entre o “mostrar” e o “mostrar para fazer compreender”.
    A partir de uma interpretação do conceito de “epifania negativa” formulado por Susan Sontag (2004), Didi-Huberman afirma que “é preciso olhar duas vezes para elas [as imagens] para extrair uma legibilidade histórica dessa visibilidade tão difícil de sustentar” (2010, p. 19). A noção de legibilidade é tomada emprestada de Benjamin e diz respeito a ler o que nunca foi escrito.
    Assim, se as imagens de catástrofes são capazes de paralisar em sua visibilidade, ao olhar para elas nos dias de hoje nos vemos presos a outro aspecto, que é a sua inerente falta de legibilidade, a dificuldade que temos de compreendê-las como imagens dialéticas.
    Ocorre que Godard, diante deste impasse que se coloca em nível ético e estético, recorre a alguns expedientes. Como apanhado não-historiográfico da história do cinema e, em alguma medida, também da Europa no século XX, a série História(s) do cinema é produzida com sequências de colagens em que são associadas imagens fotográficas e fílmicas (da ficção e do documentário); reproduções de pinturas, desenhos e gravuras; poesias, textos filosóficos e obras literárias; imagens do próprio Godard em sua biblioteca ou sentado diante de sua máquina de escrever, além de um conjunto de sons que inclui ruídos, vozes e músicas.
    Francisco de Goya é o pintor com mais obras expostas em História(s) do cinema (Scemama, 2006). A compreensão do interesse e da retomada de Goya por Godard a partir do instrumental teórico-analítico indicado é o que interessa especificamente ao trabalho.
    Se não há, para o cineasta, uma forma de visibilidade que tenha conferido a legibilidade necessária ao real que brota para além do dizível e do imaginável, como no caso do Holocausto, que contribuição Godard oferece, para além da sua crítica, na representação que ele próprio produz?
    Parte-se da premissa de que há uma iconografia do sofrimento em Goya que interessa a Godard, convocada especialmente nos momentos de História(s) do cinema em que o cineasta questiona o lugar do cinema frente à história. É como se a obra de Goya, especialmente algumas gravuras extraída das séries Caprichos e Desastres da guerra e os quadros Saturno devorando seu filho e 3 de maio de 1808 em Madri compusessem, para Godard, parte de uma iconografia possível para representar o sofrimento do qual ele considera que o cinema não deu conta – e, assim, ajudar a construir para alguns fatos históricos uma outra legibilidade. O trabalho se dedicará especificamente aos trechos da série em que estas obras de Goya aparecem, no episódio 1A.

Bibliografia

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Remontages du temps subi – L’oeil de l’histoire, 2. Paris: Minuit, 2010.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem – Questão colocada aos fins de uma história da arte. São Paulo: Editora 34, 2013.
    GINZBURG, Carlo. Medo, reverência, terror: quatro ensaios de iconografia política. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
    HUGHES, Robert. Goya. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
    SCEMAMA, Céline. Histoire(s) du cinéma de Jean-Luc Godard: la force faible d’un art. Paris: L’Harmattan, 2006.
    SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
    SONTAG, Susan. Sobre a fotografia São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
    TODOROV, Tzvetan. Goya: a sombra das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.