Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Vieira da Silva (UFRJ)

Minicurrículo

    Camila Vieira da Silva é doutoranda em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Pós-Eco UFRJ), mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Comunicação e Cultura pela Faculdade 7 de Setembro (Fa7) e graduada em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa uma estética do desaparecimento no cinema contemporâneo brasileiro.

Ficha do Trabalho

Título

    Rastros de desaparecimento no cinema contemporâneo brasileiro

Resumo

    Novas produções audiovisuais brasileiras no início do século XXI apontam para a invenção de uma imagem que não se reduz apenas à evidência do visível, mas é também tocada por perdas, vazios, intermitências. É um tipo de cinema que produz uma dialética entre presença e ausência, capaz de superar tais dicotomias ao colocá-las em movimento no ato do olhar. Não se trata mais de responder a uma imagem de Brasil tal como a tradição do nosso cinema desde sempre reivindicou.

Resumo expandido

    No início do século XXI, é possível encontrar um conjunto de filmes brasileiros que reconfiguram certo padrão de visibilidade do real, a partir da potencialização de vazios, interstícios, ausências, desaparecimentos, capazes de desencadear uma cisão no olhar e permitir a aproximação com o mistério, com a sensação de perda ou com a iminência da morte. Isto implica dizer que o cinema contemporâneo brasileiro começa a abrir caminhos para outras experimentações estéticas, que vão radicalmente de encontro a uma tradição do cinema nacional, ancorada no estatuto da presença via formulação de uma imagem de Brasil ou da construção de representações histórico-sociais.

    No lugar de quaisquer “efeitos de presença”, seja pela exacerbação da evidência dos corpos, pelo excesso de drama ou pela afirmação da alegoria e da paródia, outras estratégias passam a ser exploradas pelo cinema contemporâneo brasileiro, buscando um pacto diferente com o espectador a partir de uma marca estética que designo de “rastros de desaparecimento”. Tais características principais podem estar vinculadas ao descentramento das presenças humanas no plano – inclusive sujeitas a uma iminente invisibilidade –, a proliferação de figuras fílmicas que sugerem o desaparecimento (desfoque, contraluz, nuvens, deserto, fantasmagorias), a rarefação das ações dramáticas, a diluição dos grandes acontecimentos a favor da invenção de atmosferas que desencadeiam mais sensações que escapam do que presenças concretas.

    Os “rastros de desaparecimento” manifestam-se de maneiras singulares, de acordo com a especificidade de cada filme. Camila, Agora (2013), de Adriel Nizer Silva, subverte o autorretrato pela exploração do desfoque, do contraluz, do borrado, do flare, da imagem duplicada. Em Dia Branco (2014), de Thiago Ricarte, o nevoeiro constrói o espaço atmosférico que indica a ausência. Em Eles Voltam (2011), de Marcelo Lordello, a exploração intensiva do fora de campo enfatiza o desnorteamento e a busca pela errância. Em Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem (2013), de Alexandre Veras, a experiência do deserto, do atravessamento e do fracasso coloca o corpo ao risco de sua própria invisibilidade. Em A Misteriosa Morte de Pérola (2014), de Guto Parente, há uma invenção de um rosto-máscara potencializado pela contaminação de olhares e de repetições que enfraquecem a expressividade do rosto e tornam opacas as intenções das figuras humanas. Em O Sol Nos Meus Olhos (2012), de Flora Dias e Juruna Mallon, o fantasma motiva a exploração de lugares de travessia.

    Em comum, todos os filmes colocam em xeque a presença como produção única e exclusiva da imagem. Por presença, reporto-me a uma noção básica formulada por Hans Ulrich Gumbrecht, em especial no seu livro Produção de Presença (2010). Definida a partir da raiz etimológica da palavra latina prae-essere, a “presença” diz respeito a qualquer coisa concreta do mundo que está à nossa frente, diante do nosso olhar, que ocupa espaço, que é tangível aos nossos corpos, sem ser apreensível única e exclusivamente a uma relação de sentido.

    O conceito de presença não parece ser suficiente, justamente porque há algo que se forja na conexão com a arte, que ultrapassa sua mera condição de materialidade. Nos filmes brasileiros que esta pesquisa investiga, o ato de ver remete a um vazio que nos constitui, que nos convoca, que nos olha, para ficarmos mais próximos das reflexões de Georges Didi-Huberman em O que vemos, o que nos olha (1998). Tais filmes podem derivar de uma herança minimalista, na medida em que inventam imagens que, ao mesmo tempo em que não chegam a renunciar da presença como modo de entrada, elas abrem fendas, vazios e intervalos nesta presença para promover uma cisão no olhar.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean Claude. Brasil em tempo de cinema. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    CHARNEY, Leo. Empty Moments: Cinema, Modernity, and Drift. Durham: Duke University Press, 1998.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998.
    FIANT, Antony. Pour un cinéma contemporain soustractif. Paris: Presses Universitaires de Vincennes, 2014.

    GLUCKSMANN, Christine Buci. Esthétique de l´Ephémère. Paris: Galilée, 2003.

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. Puc-Rio, 2010.

    NAGIB, Lúcia. A utopia no cinema brasileiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.

    XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz & Terra, 2001.

    ZUFFEREY, Nicholas. “Aspects philosophiques de la disparition”. In.: Intermédialités, n. 10. Montréal: Centre de recherche sur l’intermédialité, 2007.