Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Julio Bezerra (UFRJ)

Minicurrículo

    Julio Bezerra realiza pesquisa de pós-doutorado na ECO-UFRJ. Autor de Documentário e Jornalismo: Propostas para uma cartografia plural (Garamond, 2014), fez pós-doutorado na Columbia University. É crítico de cinema e jornalista, tendo colaborado com uma ampla variedade de publicações: Bravo, Cinética, Programa etc. Fez a curadoria das retrospectivas de Abel Ferrara (CCBB, 2012) e Samuel Fuller (CCBB, 2013). Produziu e dirigiu a série “Esquinas” (Canal Brasil) e dirigiu o curta E agora? (2014).

Ficha do Trabalho

Título

    O universo de coisas de Apichatpong

Resumo

    O universo do cinema de Apichatpong Weerasethakul é uma zona espectral onde tudo é passageiro, fugaz e mutante, em que as histórias se metamorfoseiam, mudam de rumo, ou começam de novo, do fato à ficção, da fantasia ao documentário, onde mitos, personagens, fatos históricos, imagens inefáveis, e toda sorte de animais e objetos convivem em igualdade. Apichatpong parece filmar o mundo num momento que antecede a separação e a organização diferencial de seus objetos. Ele não identifica o “ser” com um dos seres (Deus, o homem ou a Natureza), rejeita um modo de pensar baseado nesta clivagem entre Deus, o homem, e as criaturas. O nosso objetivo é mergulhar nas últimas obras de Merleau-Ponty e propor um diálogo com Alfred North Whitehead, numa conjugação entre a fenomenologia e o que se veio chamar de realismo especulativo, para melhor sublinhar o papel dos objetos em seus filmes, apontando para uma análise diversa que se baseia na aposta ontológica que marca a sétima arte.

Resumo expandido

    De “Misterioso objeto ao meio dia” (2000) a “Cemitério do Esplendor” (2012), o que se vê e sente é uma percepção diferenciada do tempo, uma aparente inocência da encenação, uma simplicidade no registro, que nos convidam a um outro tipo de fruição. Uma espécie de elogio do efêmero e, ao mesmo tempo, uma cristalização do tempo, com os planos flutuando acima desse escoamento. Apichatpong Weerasethakul dilata o presente em uma sucessão de acontecimentos e sensações simultâneas, situando seus personagens e espectadores em um estado de perplexidade diante do tamanho do mundo. O cineasta tailandês transforma os objetos e paisagens mais comuns em imagens inefáveis e enigmáticas, em zonas espectrais, onde tudo é passageiro, fugaz e mutante, em que as histórias se metamorfoseiam, mudam de rumo, ou começam de novo, do fato à ficção, da fantasia ao documentário.

    Em vez de privilegiar a visão, seguindo o paradigma da perspectiva monocular e seu pressuposto epistemológico da centralidade humana, o realismo do cineasta tailandês se afirma em um estimulo a outros sentidos, como a audição e o tato. Ver um longa de Apichatpong é se tornar parte de uma geografia movediça, que se dissolve na descrição de um mundo absolutamente físico, onde todas as coisas se identificam entre si. O cineasta parece se recusar a fazer qualquer distinção entre sujeito e objeto. Apichatpong parece filmar o mundo num momento que antecede a separação e a organização diferencial de seus objetos. Ele não identifica o “ser” com um dos seres (Deus, o homem ou a Natureza), rejeita um modo de pensar baseado nesta clivagem entre Deus, o homem, e as criaturas.

    A fenomenologia pode nos ajudar a explorar esta cinema, a melhor responder às exigências que esses filmes parecem nos impor. O ponto de partida da fenomenologia é colocar entre parênteses todas as teorias do mundo natural e se deter na descrição de como as coisas aparecem na arena fenomenal. A corrente estabelece um status fenomenal aos seres. Um status do qual eles nunca escapam. Qualquer noção de coisa-em-si para além do alcance do conceito de intencionalidade é tratada por Edmund Husserl como um absurdo. Husserl, o pai da fenomenologia, é um idealista. No entanto, suas obras são preenchidas pelas densas texturas carnais de uma enorme variedade de objetos. Este lado de Husserl é levado ainda mais longe por Maurice Merleau-Ponty, para quem as entidades são tão carnais e inescrutáveis que parecem nos empurrar para além de idealismo. No entanto, mesmo quando se trata de Merleau-Ponty, ainda permanecemos em uma relação entre o humano e o mundo.

    O nosso objetivo é mergulhar nas últimas obras de Merleau-Ponty e propor um diálogo com Alfred North Whitehead e seu objetivo básico de superar o que ele chamou de “a bifurcação da natureza” ou a divisão absoluta entre “a natureza apreendida na consciência e da natureza que é a causa da consciência” (Whitehead 2004: 30-31). Para ele, o mundo é composto de processos, o que se aplica igualmente ao que apreendo e à maneira pela qual apreendo. “Nós não podemos escolher”, diz ele; devemos desenvolver uma descrição do mundo em que “o brilho vermelho do sol” e “as moléculas e as ondas elétricas” da luz solar tenham o mesmo status ontológico (Whitehead 2004: 29). Ao explorar o cinema de Apichatpong a partir desta perspectiva (de um realismo especulativo), esperamos melhor sublinhar o papel das coisas em seus filmes, apontando para uma análise diversa que se baseia na aposta ontológica que marca a sétima arte.

Bibliografia

    HARMAN, Graham. Towards Speculative Realism: Essays and Lectures. Washington: Zero Books, 2010.
    ______________. Bells and Whistles: More Speculative Realism. Washington: Zero Books, 2013.
    ______________. Guerrilla Metaphysics: Phenomenology and the Carpentry of Things. Peru, Illinois: Open Court, 2005.

    MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
    _________________________. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000.
    _________________________. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naif, 2004.

    QUANDT, James (org). Apichatpong Weerasethakul. Viena: Synema, 2009.

    SHAVIRO, Steven. The Universe of Things: On Speculative Realism. Minneapolis, MN: University Of Minnesota Press, 2014.

    WHITEHEAD, Alfred North. Process and Reality. New York: Free Press, 1978.
    _______________________. The Concept of Nature. Amherst, N.Y.: Prometheus Books, 2004.