Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Michel Carvalho Soares da Silva (UFRJ)

Minicurrículo

    Graduado e mestre em Ciências Sociais (UFRJ/UFRRJ), especialista em Cinema Etnográfico (Fundação Oswaldo Cruz) e Roteiro (Conservatório Europeu de Escrita Audiovisual), atualmente cursa doutorado em Antropologia (UFRJ). Possui interesse nas áreas de cinema, raça e gênero/sexualidade; tendo desenvolvido pesquisas acadêmicas, sociais aplicadas e obras audiovisuais (tanto documentais quanto ficcionais) acerca de tais temáticas, assumindo os cargos de pesquisador, diretor e roteirista.

Ficha do Trabalho

Título

    Quem tem medo do escuro?

Resumo

    “Quem tem medo do escuro?” visa pensar e perceber o lugar do negro dentro do mercado de produção de filmes pornográficos brasileiros – a exotização e valoração do corpo da mulata e suas formas sinuosas, a extrema atenção dada ao órgão sexual do homem negro, “bem dotado” e de forte apetite sexual, o sexo inter-racial, praticado defronte às câmeras por atrizes brancas e atores negros… Em suma, pretende-se investigar os meandros, bastidores e idiossincrasias do corpo negro na produção pornô nacional.

Resumo expandido

    Uma das “carnes” mais valorizadas no mercado pornô é a carne negra. Tratado como fetiche, o corpo negro é alvo de grade interesse, protagonizando cenas onde a cor da pele funciona como importante elemento propulsor do desejo. A corporeidade negra ganha destaque assumindo lugares específicos – os homens apresentam-se quase sempre viris, assumindo papéis ativos e controladores durante o sexo, às mulheres negras cabe exibir seus glúteos avantajados, e a malemolência de suas cadeiras. O sexo entre dois negros é pouco visto, cedendo lugar ao coito inter-racial.
    Gilberto Freyre nos falava em uma sociabilidade harmônica entre negros e brancos no Brasil colonial, onde imperava fluidez nos trânsitos sexuais entre senhores e escravos. Ideia sobre a qual, tempos depois seria alicerce do mito da democracia racial, sinalizado por Florestan Fernandes; através do qual no Brasil não existiria racismo, as diferenças de classe e de “raça” entre a população, seriam mera demonstração da pluralidade e multiplicidade da cultura nacional. A mulata seria o símbolo da beleza da mulher, os morenos de dorso torneado seriam a típica representação da brasilidade. Na produção pornográfica nacional, tal mito da democracia racial ora é posto em xeque, ora é reiterado. Estudiosos do tema, como a antropóloga María Elvira Díaz Benítez, nos apontam uma “branquidade do pornô” capitaneada, sobretudo, por mulheres brancas e rapazes de traços europeus performandopráticas sexuais defronte as câmeras.
    Ainda que tal “branquidade” seja o modelo imperativo, a construção da “raça negra” estrutura todo um nicho mercadológico, estratégico e de desejo dentro da pornografia. Este marcador social da diferença aparece constantemente em obras pornográficas. Como Mireille Miller-Young (2008) pontua, poderíamos considerar a indústria pornô como produtora de cultura sexual, bem como atravessada por uma “economia racializada do desejo”, como uma forma de “political theater”, uma vez que apresenta uma verdadeira fascinação com a diferença racial e suas variações. Podemos perceber a produção de categorias ou gêneros racialmente marcados e a definição da diferença racial nos filmes explicitamente vendidos como “de negros” com negros, ou inter-raciais.
    Para Anne McKlintock (1995), a invenção do conceito de “raça” se tornou central para a autodefinição das classes médias e para o controle e cerceamento das “classes perigosas”, definidas a partir deste marcador, da sexualidade, do gênero e da classe social. A autora também disserta acerca do quanto as diferenças são agenciadas nos fetiches sexuais, sendo a “raça” uma das diferenciações mais importantes.
    O conceito de “raça” tem gerado fortes discussões entre antropólogos e demais pesquisadores. Aqui, o conceito será entendido, tal qual pondera Avtar Brah: “diferença como relação social” e nos ajudará a refletir acerca dos papéis interpretados por negros nos filmes pornográficos brasileiros. Brah escreve acerca da interseccionalidade, que funciona como um horizonte chave para analisar a maneira como se intersectam os diferentes marcadores sociais da diferença, neste caso, na produção do desejo. Uma simples consulta a sites de distribuição de filmes e das produtoras pornográficas nos leva a legendas fílmicas como as seguintes: “Julia quer rola negra”, “Branquinha provoca negão e leva pressão no rabo”; “Essa mulata aguenta! Patricia Mayer levando rola do Kid Bengala no cu“… Minha intenção com este trabalho é conhecer os discursos, práticas e desejos relacionados aos negros na pornografia. A hipersexualização do homem negro, a construção da ideia de “mulata”, o sexo inter-racial gay. Pretendo, enfim, conhecer e investigar as obras pornográficas brasileiras que acionem corpos pretos como elemento propulsor do desejo, como teatralização, performance e fetiche.

Bibliografia

    BRAH, Avtar. Diferença, Diversidade, Diferenciação.In: Cadernos Pagu. Campinas,Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, n. 26, 2006.
    DÍAZ-BENITEZ, María Elvira. Nas Redes do Sexo. Os Bastidores do Pornô Brasileiro.Rio de Janeiro, Zahar, 2010.
    FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes, São PaulCia. Editora Nacional, 1965.
    FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, Record, 1992.
    McCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial.Campinas, SP. Editora da Unicamp, 2010.
    MILLER-YOUNG , Mireille. Hip-Hop Honeys and Da Hustlaz Black Sexualities in the
    New Hip-Hop Pornography. In: Meridians: feminism, race, transnationalism. Smith College, Northampton, vol. 8, n° 1, 2008.
    PINHO, Osmundo. Race Fucker: representações raciais na pornografia gay. Cadernos Pagu (38) Campinas – SP, Núcleo de Estudos de Gênero – Pagu/Unicamp, 2012.
    VANCE, Carole (org.). Pleasure and Danger. Exploring Female Sexuality. Nova York: Routledge. 1984.