Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Bruno Leites (IFRS)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação e Informação na UFRGS com a tese “A imagem que faz sintoma: imagem-pulsão e neonaturalismo no cinema brasileiro dos anos 2000” (2017). Entre 2014 e 2015 realizou período de Doutorado Sanduíche no IRCAV/Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Atualmente é professor de roteiro e realização de documentário nos cursos de cinema da UFPel.

Ficha do Trabalho

Título

    Cláudio Assis e a imagem que faz sintoma

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Investigamos o projeto de Cláudio Assis nos seus dois primeiros longas, Amarelo Manga e Baixio das bestas, julgando ver ali a concepção de uma imagem que pretende fazer sintoma em civilização. Essa sintomatologia se define pela conjunção entre o desconforto (estética da crueldade, violência da sensação) e a satisfação (prazer da imagem, tipicidade dos corpos). Assim, a imagem é pensada para ensejar no espectador o sentimento de partilha com a doença de mundo que o realizador acredita revelar.

Resumo expandido

    Nos dois primeiros longas de Cláudio Assis, Amarelo manga e Baixio das bestas, convivem a sordidez dos temas e a beleza das imagens. Neste trabalho, pretendemos tirar consequência dessa constatação inicial, aproveitando a análise das imagens e as entrevistas concedidas pelo autor por ocasião do lançamento dos filmes.
    O vocabulário da doença é comum no universo de Assis. Para além da definição de amarelo em Amarelo manga, vemos que o realizador costuma utilizar um vocabulário de doença para designar o projeto implicado nos seus filmes (ASSIS, 2003, 2007a, 2011).
    A seguinte definição emitida por Assis é importante para ajudar-nos a compreender o seu projeto: “Eu tô te mostrando, tá aqui. Você que diz, qual é a sua atitude, que você vai assumir perante isso” (ASSIS, 2011). A imagem, portanto, deve servir para interpelar o espectador e provocar um desconforto que o integre à doença. É o que compreendemos do projeto de Assis nos filmes já citados: a imagem é pensada para fazer sintoma, um sintoma que, por definição, deve ser desconfortável e satisfatório ao mesmo tempo.
    O sintoma, nos termos de Sigmund Freud (2007), é uma materialidade em conflito, a qual desconforta, mas que, por outro lado, serve de satisfação secundária para uma pulsão não plenamente satisfeita. O sintoma é, portanto, um espaço de luta e conciliação de duas forças em conflito.
    Assis nas suas imagens parece querer a todo momento conjugar as duas forças, de desconforto e de satisfação, perseguindo o objetivo de fazer o espectador viver a imagem como uma experiência de sintoma de civilização. Pretendemos demonstrar que ele faz isso na imagem recorrendo a uma estética da crueldade para desconfortar e à beleza da imagem e dos corpos para satisfazer.
    No aspecto de desconforto, destacamos o interesse pelas carnes cruas, pelas mortes em abatedouros, pelas perversões, pela reunião de violência e desejo em seus filmes, pela exposição de retratos audiovisuais de figuras que “gritam silenciosamente” (ASSIS, 2003).
    No aspecto de satisfação, evidenciamos em primeiro lugar o investimento na beleza da imagem, principalmente na mise-en-scène, nos enquadramentos, nos movimentos da câmera e de corpos que se deslocam nos espaços. O realizador, assim, investe na plasticidade com virtuosidade para produzir uma experiência de prazer cinematográfico: “Amarelo Manga é um filme difícil. Trata da miséria humana. Se não buscarmos uma elegância no movimento de câmera, no enquadramento, no desenho das cenas, fica um negócio feio e podre” (ASSIS, 2003).
    Além disso, Assis investe na eleição de corpos típico-normativos. Sobre a atriz que interpreta uma das mulheres violentadas em Baixio das bestas, afirma: “Agora, vou encontrar […] melhor atriz do que Dira Paes, nua e maravilhosa no filme?” (ASSIS, 2007b).
    Acerca da sintomatologia, Assis defende a eficácia do método: “Um crítico na Holanda, um dos fundadores do Festival de Roterdã, me disse: ‘Quero te agradecer porque você me fez enxergar o quanto eu sou também filho da puta. Por alguns momentos desejei aquela garota de 15 anos que estava na tela. O filme, para mim, é bom também por isso, por me mostrar que eu tenho um lado podre’” (ASSIS, 2007a). Ressalte-se, ainda, que nesse caso o corpo típico escolhido pelo diretor era de uma jovem atriz que deveria parecer uma adolescente na tela.
    Parece-nos claro que a sintomatologia de imagens em Assis deve ser passível de críticas, principalmente quanto à exposição prolongada de corpos femininos em Baixio das bestas, sobretudo se comparada com o pudor com relação aos corpos masculinos no mesmo filme. Corre-se o risco, na conjugação de sordidez e beleza, de fazer com que o prazer da imagem e pela imagem se sobreponha ao desconforto necessário para a produção do sintoma em civilização.
    De todo modo, julgamos encontrar aqui um método de Assis na primeira fase da sua carreira, o qual implica ver na imagem a potência de um sintoma, capaz de conjugar experiência estética e ação imediata no mundo.

Bibliografia

    ASSIS, Cláudio. Chega de pintar porcelana! In: Revista Trópico, 30 mai. 2007a. Disponível em: . Acesso: 07 set. 2016.

    _____. Diretor de Amarelo manga fala de seu novo filme, Baixio das bestas. In: Guia da Semana, São Paulo, 2007b. Disponível em: . Acesso: 15 ago 2016.

    _____. Entrevista com Cláudio Assis. In: Contracampo, 2003. Disponível em: . Acesso: 15 jun. 2016.

    _____. Sala de Cinema: Cláudio Assis. In: Sesc TV, Sala de Cinema, 2011. Entrevista concedida a Miguel de Almeida. Disponível em: . Acesso: 15 ago 2016.

    FREUD, Sigmund. Os caminhos da formação dos sintomas. In: ____. Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Coleção Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. XVI. Rio de Janeiro: Imago, 2007.