Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Gianna Gobbo Larocca (UERJ)

Minicurrículo

    Gianna Larocca é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Design da Escola Superior de Desenho Industrial (UERJ). Possui Graduação em Comunicação Social, habilitação Cinema e Vídeo pela UFF. Pesquisa nas interseções entre as áreas do cinema e do design e atua profissionalmente como designer gráfico.

Ficha do Trabalho

Título

    A voz da interface no i-doc

Resumo

    O documentário interativo é um gênero híbrido que abrange o saber-fazer das áreas do documentário e do design de interação. Na área de design de interação é frequente uma abordagem que prima pela transparência e atua na negação de seu discurso, enquanto no estudo do documentário destaca-se uma filiação do gênero à tradição retórica (Nichols, 2014). Este trabalho visa investigar a “voz” do i-doc a partir dessas tensões projetuais-discursivas, tomando como estudo de caso a obra de Jonathan Harris.

Resumo expandido

    Os documentários interativos (i-docs) distinguem-se de imediato dos documentários tradicionais pela utilização de plataformas online e interfaces interativas na sua exibição. Tal mudança implica uma mudança na fruição do filme e, necessariamente, uma alteração na forma de organizar o conteúdo narrativo, composto de maneira a solicitar a participação da audiência na produção de diversos tipos de “inputs” dentro do sistema.

    A versão interativa do gênero é uma forma híbrida que engloba as áreas de projeto audiovisual e de design de interação, o que fica evidente na terminologia ambivalente utilizada para seu destinatário: o espectador-usuário (cada parte do termo vinculado às áreas citadas respectivamente).

    Convém observar que o termo usuário no campo do design ultrapassa a área específica do design de interação, já que se insere em uma revisão crítica maior da categoria homem-médio que norteava a produção de objetos-tipo na metodologia funcionalista. A categoria usuário vincula-se a um modo de projetação que se pretende aberto e refratário às prescrições de uso que se encontram na função (Kasper, 2009; Cardoso, 2013).

    A fim de atender tal objetivo, é frequente que os preceitos do design de interação se orientem por ideais de neutralidade visando uma mediação suave na interação homem-máquina ou, idealmente, na interação homem-homem via máquina. Embora esta não seja uma abordagem exclusiva (a metodologia da “Experiência do usuário”, no sentindo inverso, cultiva valores como a produção de engajamento afetivo na interação), é uma proposta presente desde a formulação do termo “computação ubíqua” na ficção utópica de Weiser (1991) até os vídeos de “cenários futuros” lançados sazonalmente por companhias de tecnologia.

    O que cabe destacar é o discurso de transparência dessa orientação que tende a ocultar a pedagogia necessária para seu entendimento e uso, naturalizando sua lógica e as metáforas utilizadas nas “affordances” (designação para a qualidade de um objeto que permite ao indivíduo identificar sua funcionalidade).

    Este programa também norteia discussões sobre a interação no i-doc, notadamente nas que destacam a questão da coautoria no gênero e valorizam demasiadamente o poder de colaboração do espectador-usuário no discurso fílmico. Contudo, é bastante apressado supor que as ferramentas digitais guiadas por tal ideal de design de interação colocariam em cheque a persistente questão do discurso ideológico do documentarista. Se o espectador-usuário efetivamente tem um papel inédito no gênero, podendo, por exemplo, intervir no encadeamento e ritmo dos conteúdos dispersos do filme, tais ações são vinculadas ao desenho de interface do i-doc.

    A negação da “voz” da interface no conjunto geral da “voz” do documentário interativo parece produzir formas cujo discurso mais evidente é tautológico: uma interface interativa capaz de franquear a interação. Neste sentido é sintomática a utilização frequente da “timeline” aparente como “affordance” para as intervenções do espectador-usuário no fluxo do filme. De maneira semelhante, os ostensivos sistemas de indexação e filtragem presentes em muitos i-docs parecem afirmar, sobretudo, as infinitas maneiras de acesso ao material que compõe sua base de dados.

    Na contramão dessa abordagem, entretanto, Nash (2012) e Levin (2015) apostam na observação das recorrências textuais do documentário tradicional no documentário interativo como medida de interpretação dos agenciamentos de suas interfaces. Nesta proposta, o investimento no repertório do gênero documentário alimenta outras possibilidades de análise e projetação da interface.

    A partir desses partidos e dos estudos de caso da obra de Jonathan Harris, este trabalho propõe uma análise da voz da interface no i-doc nas tensões entre a tradição do discurso no gênero e o ideal de transparência no design de interação.

Bibliografia

    BARNOUW, E. Documentary. A history of the non-fiction film. New York: Oxforf University Press, 1993.
    CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
    GAUDENZI, S. Interactive documentary: towards an aesthetic of the multiple. Tese. MA Interactive Media of the London College of Media. University of London, 2009.
    KASPER, Cristian Pierre. “Além da função, o uso”. In: Arcos, vol. II n. 5, dez 2009. pp. 18-24.
    LEVIN, T. “Do documentário ao webdoc – questões em jogo num cenário interativo”. In: Doc Online, 2015, pp. 5-32.
    MANOVICH, L. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2001.
    MURAY, J. Hamlet no Holodeck – O futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003.
    NASH, K. “Modes of interactivity: analysing the webdoc”. In: Media, Culture & Societ, 2012. pp. 195-210.
    NICHOLS, B. Introdução ao documentário. São Paulo: Papirus, 2014.
    WEISER, M. “The Computer for the 21st Century”. In: Scientific American, vol. 265, n. 3, set. 1991. pp. 94-104.