Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Macedo Ferreira Mikos (UFPR)

Minicurrículo

    Mestra em Educação pela Universidade Federal do Paraná (PPGE-UFPR), bacharela em Cinema e Vídeo pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP-UNESPAR). Pesquisadora do grupo de pesquisa CINECRIARE – Cinema: Criação e Reflexão (UNESPAR/CNPq). Diretora e roteirista audiovisual.

Coautor

    Jamil Cabral Sierra (UFPR)

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema pornô e a verdade do sexo: efeitos performativos

Seminário

    Corpo, gesto, performance e mise en scène

Resumo

    Este trabalho apresenta partes de pesquisa de mestrado já concluída, em que se discutiu as pedagogias da sexualidade exercidas pelo cinema pornográfico hegemônico. A partir da análise do longa-metragem Garganta Profunda (1972), de Gerard Damiano, tecemos considerações acerca da maneira de enquadrar os corpos e as ações sexuais, aos moldes estabelecidos pela iconografia audiovisual pornô, e sua implicação na (re)produção de normas e verdades a respeito do sexo, do gênero e do desejo.

Resumo expandido

    O longa-metragem Garganta Profunda (1972), dirigido por Gerard Damiano, é considerado um dos percursores da indústria do cinema pornográfico, ou seja, do sistema de produção e distribuição massiva de filmes com ações sexuais explícitas voltados à excitação sexual do público espectador. No filme, encontramos os dois elementos que se tornaram paradigmáticos para a pornografia audiovisual: “[…] a exibição em close das genitálias em ação e a ejaculação masculina fora do orifício vaginal feita ‘para a câmera’ (o money shot ou come shot)” (ABREU, 1996, p.96). A esses componentes, Nuno Cesar Abreu atribui a evidência de verdade e o efeito de impressão de realidade (1996, p. 65), importantes para o sucesso com o público.
    Da análise das sequências de ação sexual presentes em Garganta Profunda, podemos assumir que o “em ação” ao qual se refere Abreu é equivalente à “em penetração heterossexual”, mantendo-se, no filme, fixas as posições do homem enquanto penetrador e da mulher enquanto penetrada, mesmo quando o órgão penetrante não é um pênis e/ou o orifício penetrado não é uma vagina. Em diálogo com as noções de Judith Butler (2002, 2013a, 2013b) acerca da matriz heterossexual e do encadeamento – produzido por essa matriz – entre sexo, gênero e desejo, em continuidade e coerência, lançamos a desconfiança de que os closes nas genitálias em penetração são produzidos pelo e (re)produtores do entendimento de que a diferença sexual se evidencia – isto é, faz-se visível – na matéria dos corpos, mediante uma lógica de incomensurabilidade e de não contradição que estabiliza as oposições macho x fêmea, homem x mulher, penetrador x penetrada.
    Essa proposição dos corpos como instâncias inequívocas, sem história, anteriores aos processos de materialização e regulação, vinculadas ao que Alfredo Veiga Neto (2002) chama de primado da visão nas ciências modernas – a saber, o estabelecimento do olhar atento, cauteloso, metódico, como possibilidade de revelar a realidade e as verdades do mundo – parece-nos ter condicionado, no interior do dispositivo de sexualidade (FOUCAULT, 1999), as próprias possibilidades de emergência do cinema pornô. Primeiro, pois o desenvolvimento de mecanismos óptico-químicos de observação (como as câmeras fotográficas e cinematográficas) estão ligados à busca por modos mais neutros e objetivos de ver – ou produzir imagens – das coisas (não à toa, as lentes fotográficas são chamadas de “objetivas”). Segundo, como aponta Linda Williams (1989), porque é dessa nova maneira de construir conhecimentos e verdades sobre os corpos – utilizando máquinas que “enxergam melhor do que o olho humano” para capturar e tornar visível a mecânica dos movimentos corporais, como nos experimentos com fotografias sequencias de Eadweard Muybridge, por exemplo – que se manifesta a produção de narrativas e de mise en scènes erotizadoras dos corpos das mulheres.
    Por fim, o que propomos neste trabalho, tomando como disparadora a intensa vontade pornográfica de evidenciar que os atos sexuais postos em cena são reais (especialmente via closes e come shots), são apontamentos a respeito do que há de performativo nas ações sexuais do cinema pornô – em como repetindo, recitando e performando, em regularidade com determinadas normas, a pornografia audiovisual sedimenta a relação sexual normativa e a (re)produz enquanto verdade.

Bibliografia

    ABREU, Nuno Cesar. O Olhar Pornô: A representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

    BUTLER, Judith P. Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del “sexo”. 1 ed. Buenos Aires: Paidós, 2002.

    _______. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013a.

    _______. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. – 3ªed. – In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013b. p. 151-172.

    FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 13. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.

    VEIGA-NETO, Alfredo. Olhares…. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.23-38.

    WILLIAMS, Linda. Hard Core: Power, pleasure, and the “frenzy of the visible”. Los Angeles, University of California Press, 1989.