Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Leon Orlanno Lôbo Sampaio (UFBA)

Minicurrículo

    Leon é graduado em Cinema e Audiovisual pela UFRB (2013) e atualmente é mestrando do Póscom – UFBA, no qual pesquisa sobre a “casa grande” no cinema brasileiro contemporâneo. É diretor do longa-metragem documentário “Gente Bonita” e dos curtas “O Cadeado”, “Interdito”, “Via Crisis” e “Retomada”, que foram selecionados em diversos festivais nacionais e internacionais. Realizou também alguns vídeos com o coletivo audiovisual do Ocupe Estelita, que juntos tiveram mais de 2 milhões de visualizações.

Ficha do Trabalho

Título

    Casa Grande e Senzala na Obra de Kleber Mendonça Filho

Resumo

    O presente artigo propõe uma reflexão sobre a paisagem histórica brasileira a partir da análise de sequências dos filmes “O Som Ao Redor” (2012) e “Recife Frio” (2009), dirigidos por Kleber Mendonça Filho. O foco da análise será a montagem e o som, a validade e os efeitos de determinados cortes e ruídos, que ora denotam uma continuidade das relações opressoras no contemporâneo, ora fazem emergir o dissenso.

Resumo expandido

    Nos últimos anos, especialmente de 2010 para cá, uma safra de filmes no Brasil passou a tematizar a cidade e as relações sociais sob o ponto de vista de personagens da classe dominante. Essas obras, em alguma medida, fissuraram a tradição do cinema brasileiro, marcada até então pela representação de personagens populares, ou seja, de um “outro de classe”. Kleber Mendonça Filho talvez seja o realizador que mais se destacou dessa geração, pelo reconhecimento que teve da crítica e dos festivais, e sobretudo, pelos debates que os seus filmes provocaram no país. As obras do diretor que pretendo analisar neste artigo, “Recife Frio” (2009) e “O Som Ao Redor” (2012), trazem imagens das duas instituições arquitetônicas brasileiras que tornaram-se símbolos da identidade nacional a partir do mito freyreano. A “senzala” surge em “Recife Frio”, encapsulada na sequência da tradicional família pernambucana, os Nogueira. Já a imagem da “casa grande” aparece no prólogo de “O Som Ao Redor”, reunida a outras fotos de senhores de engenho e trabalhadores. Essas duas imagens, a da casa grande e da senzala, uma ilustração, outra foto de arquivo, além de definir o nosso corpus de análise, serve-nos como ponto de partida para uma discussão conceitual.

    Numa leitura apressada, elas poderiam supor um gesto de plano e contra-plano na obra de Kleber Mendonça, uma tentativa de oposição de uma à outra, no entanto, elas não demonstram operar em disjunção, mas como ativação de uma outra imagem, um desdobramento da dialética do ver tal como propõe Georges Didi-Huberman (1998). Segundo o autor francês, uma imagem crítica seria uma imagem em crise, “que critica nossas maneiras de vê-la, na medida em que, ao nos olhar, ela nos obriga a olhá-la verdadeiramente” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 172). Essa noção de Didi-Huberman se apoia nas ideias de Walter Benjamin sobre “imagem dialética”, que estaria sedimentada numa dupla distância, capaz de uma recognoscibilidade, de “produzir ela mesma uma leitura crítica de seu próprio presente, na conflagração que ela produz com seu pretérito” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p.183). Nesse sentido, é a ambiência da nova casa grande, verticalizada, gradeada, repleta de câmeras, com a “senzala” anexada como quarto de empregada e povoada por outros inúmeros serviçais (porteiros, zeladores, babás, seguranças, entregador de água, entre outros) que entendo como a imagem crítica dos filmes de Kleber Mendonça. É nela onde ele encena os litígios da contemporaneidade urbana, os medos e conflitos da classe média, relacionando com a narrativa histórica brasileira, adensada de tensões e opressões. O diretor filma tanto os ecos da escravidão – ordens, gestos subservientes, falas silenciadas – quanto as fraturas da suposta “democracia racial” – falas desobedientes, furtos, arranhões, ameaças por telefone, tiros, bombas -, buscando através dessa mise-en-scene do cotidiano pensar o mito freyreano, dissolvendo e ultrapassando as imagens míticas.

    Como já apontado acima, são essas sequências – a da tradicional família pernambucana em “Recife Frio” e o prólogo em “O Som Ao Redor” – que analisarei no artigo, focando sobretudo na montagem e no som, na validade e nos efeitos de determinados cortes e ruídos, que ora denotam uma continuidade das relações opressoras no contemporâneo, ora fazem emergir o dissenso. Como método, me apoiarei na proposta de “contrato audiovisual” de Michel Chion, onde ele discute a ideia de ressonância conceitual, e também nas noções de “raccord” e “falso raccord”, sintetizadas por Jacques Aumont e Michel Marie.

Bibliografia

    .AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Rio de Janeiro: Papirus, 2003.
    .AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. A Análise do Filme. Lisboa: Texto e Grafia, 2013.
    .BERNADET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das letras, 2003.
    .CHION, Michel. A audiovisão: som e imagem no cinema. Trad. Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2011.
    .DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998.
    .DUNKER, Cristian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2015
    .FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006.
    .RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, EXO experimental.org, 2005.
    .RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.