Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Vaz Perez (UFF / PUC Minas)

Minicurrículo

    Doutorando em Estudos do Cinema e Audiovisual pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), com bolsa Capes. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas e graduado em Jornalismo pela mesma instituição. Professor do curso de Cinema e Audiovisual da PUC Minas. Integrante do grupo de pesquisa Mídia e Narrativa.

Ficha do Trabalho

Título

    O realismo como método em São Bernardo, de Leon Hirszman

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Este trabalho investiga o filme São Bernardo, de Leon Hirszman, buscando compreender: o que é o real no cinema de Hirszman e como dele emerge sua política? Apostamos, com Aumont (2004), que cineastas podem ter ideias teóricas implícitas às suas produções. Acreditamos que o cinema de Leon deixa entrever um método de investigação da realidade que parte do realismo para subvertê-lo, sem contudo negá-lo, para assim fazer emergir sua política. Uma visão de cinema que coincide com uma visão de mundo.

Resumo expandido

    Leon Hirszman não foi muito adepto à produção textual. Mas deixou registrados entrevistas e debates nos quais é possível entrever uma coincidência entre sua visão de mundo e de cinema, em que a problematização do real – na chave mesma do realismo, e não em sua negação, como nos projetos alegóricos de notáveis como Glauber e Sganzerla – fazia emergir sua política.

    Os cineastas, para Aumont (2004), possuem ideias teóricas implícitas às suas produções, mas só alguns deles as explicitam. Entretanto, frisa o autor, o cineasta não pode evitar a consciência de sua arte, a reflexão sobre seu ofício e suas finalidades. Em Hirszman, o pensamento sobre o mundo é apenas inferido a partir de suas declarações, por isso permanece implícito e precisa ser deduzido das imagens e sons que cria. Seu cinema “diz” o mundo; sua obra é a de um artista com um projeto, um desejo de criação motivado por proposições sobre a realidade que o cerca.

    Na entrevista concedida a Alex Viany (1999, p. 296), à influência da teoria de Marx, ele aborda os anos de exílio no Chile, após o golpe de 1964, refletindo sobre a necessidade de “compreender melhor o método” de um cinema que se localiza entre o marxismo e a “realidade do povo oprimido”. Anos antes, em debate sobre Deus e o diabo na terra do sol, transcrito em O processo do cinema novo (VIANY, 1999, p. 79), o cineasta se propunha a pensar o real a partir do cinema: “tenho uma ideia central, quero transmiti-la; eu tenho uma visão de mundo e vou utilizar um método, um personagem ou aquilo que, em meu entender, devo utilizar”.

    Partindo de uma compreensão materialista da história, entendemos que, para Hirszman, aquilo a que Metz (2014) chama “impressão de realidade”, o caráter icônico e indicial da imagem do cinema, faz deste meio espaço privilegiado para a investigação da realidade social. Nossa hipótese é de que, através da construção de um discurso baseado na estética sóbria de um moderno realismo materialista, o cinema de Leon Hirszman constrói/investiga, com imagens e sons, uma teoria sobre o Brasil e as estruturas sociais que erigem instituições de poder, lastreadas pelo capital, e que, consequentemente, produzem determinadas formas de vida. Teoria que encontra par no pensamento social brasileiro, sobretudo em Darcy Ribeiro (2006). Leon constrói uma representação complexa de país, como se buscasse responder à questão proposta no título de seu filme perdido, Que país é esse?.

    Este “método” aparece mais explícito em sua atuação como documentarista, com inclinação antropológica (AUTRAN, 2004). No campo dos filmes assumidamente ficcionais – mesmo considerando contaminações entre o ficcional e o documental –, o uso da câmera e da montagem como método de investigação se dá de maneira menos evidente. Acreditamos que estes filmes, para investigar determinada realidade, colocam em questão a própria noção de real, subvertendo por dentro a concepção do realismo, seja numa emulação moderna do realismo crítico proposto por Pudovkin (1983), guiada por uma determinação ética inerente à abordagem antropológica, numa apropriação “a contrapelo” do realismo, como propõe Xavier (2003) em análise de A falecida.

    Elegemos, neste trabalho, o filme São Bernardo (1972) como objeto, por acreditarmos que o gesto de subverter o realismo por dentro – mas sem negá-lo –, se dá de maneira mais intensa, num realismo investido de um “estilo anticinema clássico, produtor de estranhamento”, como propõe Ismail Xavier (1997) – na mesma medida em que transborda a influência do distanciamento brechtiano. O excesso e o rigor nos enquadramentos diminuem a influência do fora de campo nas situações filmadas, chamando o espectador apenas para aquilo que está dentro do quadro, aquela dada disposição de forças e movimentos em um espaço concentrado, onde a mise-en-scène e o tempo dilatado da montagem parecem questionar a própria noção de real no cinema.

    Assim, questionamos: o que é o real no cinema de Leon Hirszman, e como dele emerge sua política?

Bibliografia

    AUMONT, J. As teorias dos cineastas. Campinas: Papirus, 2004.
    AUTRAN, A. “Leon Hirszman: em busca do diálogo”. In: TEIXEIRA, E. (org). Documentário no Brasil. São Paulo: Summus, 2004, p. 199-226.
    BAZIN, André. O que é o cinema?. São Paulo: Cosac Naify, 2014
    BAZIN, André. O realismo impossível. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
    CARDENUTO, R. O cinema político de Leon Hirszman (1976-1981): engajamento e resistência durante o regime militar brasileiro. 2014. Tese USP, Programa de Meios e Processos Audiovisuais.
    METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 2014.
    RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
    VIANY, A. O processo do cinema novo. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.
    XAVIER, I. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
    XAVIER, I. O olhar e a cena. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
    XAVIER, I. “O olhar e a voz”. In: Literatura e Sociedade, n. 2, 1997, p. 126-138