Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Albert Elduque (UoR)

Minicurrículo

    Albert Elduque é pesquisador pós-doutoral na University of Reading (Reino Unido), onde faz parte do projeto “Towards an Intermedial History of Brazilian Cinema: Exploring Intermediality as a Historiographic Method” (“IntermIdia”), investigando os vínculos entre as tradições musicais brasileiras e o cinema contemporâneo. É coeditor da revista “Cinema Comparat/ive Cinema”, editada pela Universitat Pompeu Fabra (Barcelona).

Ficha do Trabalho

Título

    Narrativas do improviso em ‘Partido Alto’ (Leon Hirszman, 1976-1982)

Resumo

    Pensar o partido-alto em termos cinematográficos deve situar o improviso como forma central: explorar de que modos articulam-se versos espontâneos, narrativa, imagem e som. Nesta apresentação gostaria de investigar como o documentário ‘Partido Alto’ (1976-1982), de Leon Hirszman, aborda o problema do acaso, considerando algumas ideias de Jean-Louis Comolli sobre o free jazz: o vínculo entre o improviso e o fora de quadro, por um lado, e o improviso como forma de vida e morte, pelo outro.

Resumo expandido

    Na sua monografia sobre o partido-alto, Nei Lopes cita Carlos Andreazza para dizer que na gravação do partido-alto existe um problema ontológico: o que pareceria uma salvação, uma garantia de permanência deste gênero improvisado, é para ele uma contradição, pois “o improviso não combina com a reprodução; é fruto de um momento e está inscrito nele […] a forma da gravação nega os princípios do partido-alto, incapaz de se desenrolar livremente numa construção formal que obedece ao reino da técnica como força inquestionável” (2005:183).

    Pensar o partido-alto em termos cinematográficos deve, portanto, situar o improviso como forma central: explorar de que modos os versos que surgem espontaneamente articulam-se com a narrativa das imagens, e como os procedimentos cinematográficos (movimentos de câmera, montagem…) tentam dar conta de um desenrolar não programado. Nesta apresentação gostaria de investigar como estas questões são trabalhadas no documentário ‘Partido Alto’, filmado por Leon Hirszman em 1976, mas por razões financeiras concluído só seis anos mais tarde, em 1982. Particularmente, vou estudar como o filme aborda o problema do acaso considerando algumas ideias de Jean-Louis Comolli sobre o free jazz, outro gênero baseado na improvisação: o vínculo entre o improviso e o fora de quadro, por um lado, e o improviso como forma de vida e morte, pelo outro.

    Em ‘Partido Alto’, a narrativa sobre o partido-alto toma várias formas: depoimentos de sambistas como Candeia e Manacéa; temas cantados nas rodas de samba, e, finalmente, narração em voz over de Paulinho da Viola. Estes três níveis narrativos interagem com as imagens registradas pela câmera, que trata de dar conta da sequência de intervenções em continuidade, numa busca visual perpétua que não esconde a presença do microfone para gravar os sons. Apesar desta procura, ou por causa dela, cria-se uma tensão entre as imagens mostradas no plano e todos os elementos ao redor, que às vezes aparecem como corpos desconhecidos que se infiltram por acaso no quadro, e outras são introduzidos pelos próprios cantores para dar exemplos de formas concretas de partido-alto. O invisível, que Comolli considera fundamental para pensar na filmagem da improvisação (2004:662), dialoga aqui com os relatos dos sambistas, os elementos em quadro e os esforços visíveis de câmera e microfone, e atinge uma força particular no final, quando a escuridão da noite oculta boa parte dos elementos dentro do quadro.

    Além disso, podemos identificar em ‘Partido Alto’ uma dimensão de invocação quase mágica, introduzida pelas fotografias em preto e branco do início e reforçada pelas referências dos personagens ao passado. Trata-se de um tema presente também no curta ‘Partideiros’ (Carlos Tourinho e Clóvis Scarpino, 1978), assim como em documentários posteriores sobre samba, como ‘Paulinho da Viola – Meu Tempo É Hoje’ (Izabel Jaguaribe, 2004), e que aqui torna-se explícito com a figura de Candeia, que morreu em 1978, quatro anos antes do lançamento do filme. No começo, o documentário apresenta uma fotografia dele que atua como homenagem e lembrança nostálgica, mas também como sinônimo da morte, em contraposição à vida restituída pelas imagens cinematográficas a seguir. Assim, a dimensão espectral do samba é reforçada pela aparição do cantor já falecido, e materializa-se, finalmente, no fundamento mesmo do partido-alto: o ato de improvisar. Segundo Jean-Louis Comolli, a improvisação no free jazz é um gesto de criação e destruição, vida e morte, que carrega sua ruína e seus fantasmas (2004:653). No filme de Hirszman, o trabalho de Candeia improvisando, no limite entre a canção e o vazio, fala também de sua condição de espectro fugazmente ressuscitado pelo dispositivo cinematográfico, entre mito cantor e cadáver. É assim que a tensão entre partido-alto e cinema pode encontrar, na tensão formulada por Carlos Andreazza, uma manifestação visual e sonora que não trai os princípios do canto improvisado.

Bibliografia

    Andreazza, Carlos: “Partido-alto: a questão da forca”, ‘Direitos Já’, Vol. 58, abril-junho 2001.

    Baltar, Mariana: “A evidência do audível: o som documental e a tradição intervencionista no documentário brasileiro”, IN VV.AA.: ‘O som no cinema’. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2008, pp. 36-48.

    Comolli, Jean-Louis: ‘Voir et pouvoir: l’innocence perdue: cinéma, télévision, fiction, documentaire’. Lagrasse: Verdier, 2004.

    Frith, Simon: ‘Performing Rites: On the Value of Popular Music’. Cambridge: Harvard University Press, 1996.

    Lopes, Nei: ‘Partido-alto: Samba de bamba’. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.

    Moura, Roberto M.: ‘No princípio, era a roda: um estudo sobre samba, partido-alto e outros pagodes’. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

    Salem, Helena: ‘Leon Hirszman: O navegador das estrelas’. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

    VV.AA.: ‘Samba e Cinema – 100 Anos de Samba’. Mesa de debate com Kiko Dinucci, Thiago Mendonça, Geraldo Adriano e Ricardo Calil. São Paulo: Cine SESC, 20/12/2016.