Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Sylvia Beatriz Bezerra Furtado (UFC)

Minicurrículo

    Beatriz Furtado é professora do curso de Cinema e Audiovisual e da Pós-Graduação em Comunicação, do Instituto de Cultura e Arte- ICA, da Universidade Federal do Ceará.

Ficha do Trabalho

Título

    As regras de uma ilusão.

Seminário

    O comum e o cinema

Resumo

    Pasolini afirma o cinema como uma nova língua da realidade, um instrumento para fazer um novo mundo, um aparato que revela e manifesta a realidade e com a qual acreditava poder aproximar o cinema e a vida, o comum. Em “Le Regole di Un’Ilusione”, diz Pasolini: “O cinema- que é uma sequência infinita que reproduz de um só ponto de vista toda a realidade – é fundado sob o tempo e obedece as mesmas regras que a vida: a regra das ilusão. É o princípio da ilusão que motiva esse artigo.

Resumo expandido

    Este artigo dá continuidade a uma pesquisa que venho realizado com os escritos de Pasolini sobre o cinema e o real como condição de linguagem. Também o cinema como linguagem dessa linguagem, que é uma produção do mundo como estado cognitivo de sentidos. O que no pensamento de Pasolini, que inscreve o real no campo da linguagem e o cinema no campo da linguagem do real, pode fazer para descodificação do cinema e a descodificação do real, na medida do confinamento dos estados do pensar e do sentir? Como esse jogo ilusório pode construir um Comum?
    Essas perguntas são princípios que inscrevo no pensamento como uma fissura aberta em uma cena. Uma cena que sempre se volta contra o próprio pensamento e que me leva a apostar nos embates com os filmes, com os escritos, na luta entre uma cena e outra, na montagem, na medida que o real é algo absolutamente intransponível.
    Parto de alguns escritos de Pasolini não para afirmar o que ele disse. Primeiro porque leio seus escritos com um grande interesse em encontrar coisas. Coisas de cinema. Algo, uma frase, uma palavra, umas mais próximas e outras sem nenhuma proximidade.
    Mas é ele, Pasolini, que me fez ver com seus escritos algo do qual me aproprio e venho seguindo. Ele diz assim: “o cinema é a linguagem do real”. Para em seguida dizer: “o real só existe como linguagem”. Não se trata de uma brincadeira, um jogo de palavras. Ao contrário, essa é uma questão que volta e meia retorna, insiste seriamente.
    Como fazer um plano? Como juntar planos? Como construir personagens? Como ocorrem os diálogos? Como uma luz se segue dentro do campo que o plano recorta? Um plano é um real em pedaços, em ruínas?. Um início e um fim, que se alonga ou se comprime no espaço e em variações temporais. É como se, em princípio, a realidade em seu estado de linguagem, pudesse sofrer todas as atrocidades que o cinema possa lhe impor através da sua modulação, seja como expressão ou como matéria – de corpos, de luz, de quadros, de movimentos, de enquadramentos, de montagem.
    Pasolini afirma o cinema como uma nova língua da realidade, dando ao seu cinema o papel de constituir um novo mundo, uma língua que revela e manifesta a realidade e com a qual acreditava poder aproximar, com a linguagem cinematográfica que ele construía a cada filme, o cinema e a vida, um estado do Comum.
    Em “Le Regole di Un’Ilusione”, diz Pasolini:
    “O cinema- que é uma sequência infinita que reproduz de um só ponto de vista toda a realidade – é fundado sob o tempo e obedece as mesmas regras que a vida: a regra de uma ilusão. É estranho dizer, mas é necessário aceitar essa ilusão. Porque quem ( como homem e como poeta, não como santo) não aceita essa condição, em vez de entrar em uma fase de maior realidade, perde a presença da realidade, a qual consiste unicamente de tal ilusão”. (P.P.P. 1991 p.17) .
    É estranho mesmo, como afirma o próprio Pasolini, uma assertiva dessa natureza, que toma a realidade como ilusão. Mas é justo com o princípio da ilusão, dessa matéria que produziria o ofuscamento dos sentidos e que impossibilitaria a razão de cumprir seu papel de discernimento, que as regras fílmicas de Pasolini trabalham. A realidade é o falseamento sem uma origem nem original. É do embate entre essa realidade ilusória e os jogos ilusórios da realidade fílmica, também ela atravessada pelos requintes ópticos e sonoros, que Pasolini produz o seu cinema como matéria modulada, em formas fílmicas.
    O que se evidencia na proposição pasoliniana é a presença da câmera e da montagem. Movimentos e enquadramentos que afirmam pontos de vista incompatíveis com o da percepção naturalizada, como a alternância de diferentes objetivas; enquadramentos insistentes e obsedantes; ângulos extraordinários; excesso de zoom, movimentos aberrantes e paradas de movimento, etc.- ; e os procedimentos de montagem desafiadoras das regras da montagem invisível. O cinema de Pasolini mostra como as regras ilusórias do cinema se sobrepõem às regras ilusórias do real.

Bibliografia

    Amoroso, Maria Betânia, “A paixão pelo real”, Edusp, São Paulo, 1997.
    Bertini, Antonio, “Teoria e Tecnica del Film in Pasolini”, Bulzoni Editores, Roma, 1971.
    Pasolini, Pier Paolo, “Le Regole di Un’Ilusione – il film il cinema”, a cura de Laura Betti e Michele Gulinucci, Fondo Pier Paolo Pasolini, Roma, 1991