Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Ramayana Lira de Sousa (UNISUL)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Ficha do Trabalho

Título

    “Pássaros sem pés”: o que que/e/r o filme lésbico negro?

Seminário

    Cinema Queer e Feminista

Resumo

    Partindo do princípio de que o queer forma uma espécie de povo precário que se constitui também no cinema, seja na representação, na criação artística, ou na recepção, esta proposta busca mostrar que um cinema lésbico negro é, antes de tudo, um cinema precário, e que, por isso mesmo, abriga imagens da sobrevivência e atesta a sobrevivência das imagens.

Resumo expandido

    Quando Audre Lorde escreve, em Zami: a new spelling of my name, “Wherever the bird with no feet flew, she found trees with no limbs” (Onde quer que o pássaro sem pé voasse, ela encontrava árvores sem galhos), ela cria uma bela imagem da existência sem lugar da mulher
    negra e da inexistência de um lugar para a mulher negra. Não é à toa, pois, que o filme Pariah (Dee Rees, 2011) toma essa frase como epílogo para narrar a história de uma adolescente negra que, recusando a performatividade normativa feminina, encontra sérias dificuldades para encontrar seu lugar como negra e lésbica masculinizada. Tomo a personagem da jovem Alike e a imagem criada por Lorde como paradigmas para pensar a (in)existência e a (re)existência de um cinema negro lésbico, em um primeiro momento a partir de produções estadunidenses, já tendo em mente o desafio de ampliar esse escopo para os cinemas mundiais. Sem me fiar nas abordagens que privilegiam a crítica ao estereótipo e à correção da imagem, fundamento essa proposta em duas questões principais: um cinema lésbico negro é um cinema precário? O que que/e/r o cinema negro lésbico? A primeira questão diz respeito à busca por saber qual o lugar do cinema em um mundo onde o capital, em suas estratégias miméticas, captura toda exterioridade, exercendo seu controle de formas cada vez mais sutis e generalizadas. Os processos de exclusão mostram-se cada vez mais agudos, como bem discute Judith Butler, para quem a precariedade “designa a condição politicamente induzida na qual certas populações sofrem com a derrocada de redes econômicas e sociais de apoio e se tornam desigualmente expostas a dano, violência e morte” (Frames of war, 2009, p. 25), incluindo marcadamente os modos de vida queer. O diagnóstico das “vidas precárias” dado por Butler pode ser complementado com a perspectiva de Peter Pal Pelbart que questiona se, dentro desse contexto, “não haveria uma tendência crescente, por parte dos chamados excluídos, em usar a própria vida, na sua precariedade de subsistência, como um vetor de autovalorização?” (“Poder sobre a vida, potência da vida.” 2002, p. 37). O próprio Pelbart reconhece que a “estranheza, aspereza, visceralidade” da produção dessas vidas precárias pode ser facilmente transformada “em mero exotismo étnico de consumo descartável” (p. 37), o que nos obriga a procurar “instrumentos muito esquisitos” (p. 37) para compreender não apenas a precariedade mas quem dela/nela sobrevive. Nessa encruzilhada entre a captura pelo capital e possibilidade da potência da “vida precária” é que aposto no queer como uma espécie de povo precário que se constitui também no cinema, seja na representação, na criação artística, ou na recepção. Um pássaro sem pés, em seu voo precário, o cinema lésbico negro abriga imagens da sobrevivência e atesta a sobrevivência das imagens. Essa sobrevivência apesar de tudo parece ser exatamente o que que/e/r o cinema lésbico negro, verbo aqui grafado de forma “esquisita” (Eliana Ávila nos lembra que ‘esquisitice’ é uma possível tradução de ‘queerness’, o que nos remete também aos “instrumentos muito esquisitos” de que fala Pelbart). O que que/e/r esse cinema? Ou seja, o que ele demanda, deseja? Mas também o que ele torna queer? E, ainda, o que o torna queer? A partir da discussão de uma constelação de filmes lésbicos negros que, além de Pariah, também inclui Born in Flames (Lizzie Borden, 1983) e The watermelon woman (Cheryl Dunye, 1997), procuro articular uma idea de cinema na precariedade e, principalmente, na sobrevivência, dos sujeitos queer.

Bibliografia

    hooks, bell. The oppositional gaze: Black female spectators. In: JONES, Amelia (org.). The Feminism and Visual Culture Reader. Londres: Routledge, 2003
    BUTLER, Judith. Frames of war. Londres; Nova York: Verso, 2009.
    CALLAHAN, Vicki (org.). Reclaiming the Archive: Feminism and Film History. Detroit: Wayne State University Press, 2010
    DE LAURETIS, Teresa. Sexual indifference and lesbian representation. Theatre Journal, v. 40, n. 2, p. 155-177, 1988
    FERGUSON, Roderick A. Aberrations in Black: Toward a Queer of Color Critique. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004
    GAINES, Jane. White privilege and looking relations: Race and gender in feminist film theory. Cultural Critique, n. 4, p. 59-79, 1986.
    GUY-SHEFTALL. Beverly (org.).Words of Fire: An Anthology of African-American Feminist Thought. Nova York: The Free Press, 1995
    PELBART, Peter Pal. Poder sobre a vida, potência da vida. Lugar comum, n. 17, p. 33-43.