Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Barbara Cristina Marques (UEL)

Minicurrículo

    Doutora e Mestre em Letras/Estudos Literários (UEL). Professora de Literatura e Cinema do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina. Professora do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina.

Ficha do Trabalho

Título

    O reverso da imagem e o indizível da literatura em Paterson (2016)

Seminário

    Cinema e literatura, palavra e imagem

Resumo

    A proposta deste trabalho é refletir sobre a experiência do encontro entre imagem e palavra-poemática em Paterson (2016), de Jim Jarmusch. Para além dessas mídias – cinema e literatura – ajustarem-se em processo relacional, o filme impõe um desafio no sentido de pensá-lo a partir de um acúmulo de imagens que se repetem, tensionando o lugar dessas superfícies: de um lado, uma narrativa rarefeita e uma rotina claustrofóbica; de outro, o da palavra-poemática como disjunção do plano diegético.

Resumo expandido

    O que pode estar por trás de uma imagem senão uma outra imagem? Na sombra desta outra imagem não estaria o pensamento e, portanto, a linguagem (PAZ, 1982)? O que dizer da palavra em suspensão? Italo Calvino diz que a “batalha da literatura é precisamente um esforço para sair das fronteiras da linguagem”, ou dessa “margem extrema do dizível […], é o apelo do que está fora do vocabulário que move a literatura” (2009, p. 208). A experiência do sensível está justamente nessa fenda, no intervalo, no interstício entre o mundo escrito e o não-escrito. As imagens nunca são “intransitivas”, diz Rancière, “são antes de mais nada operações, relações entre o dizível e o visível” (2012, p. 14). Entre o material léxico e o material imagético, ou entre o poema e a imagem fílmica, há um campo infinito de afecções, relações e transbordamentos que extrapolam as próprias materialidades nas quais se inscrevem imagem e palavra no cinema e na literatura.

    O lugar de Paterson (2016), o último filme de Jim Jarmusch, é justamente aquele da dobra, para lembrar Deleuze (1991). Aquele da transparência da imagem e da palavra, do encontro do cinema com a literatura. Em Paterson, Jarmusch cria a figura do escritor recluso, solitário na economia das falas, escondido na pele de um motorista de ônibus, encapsulado na rotina das pessoas absolutamente comuns. Tudo segue a ordem natural de um day by day. Paterson vive na cidade de Paterson, em New Jersey, dirige um ônibus da cidade chamado Paterson. Paterson é, na verdade, o nome de um longo poema do poeta norte-americano William Carlos Williams, o maior ídolo do personagem, ao lado de Frank O’Hara. Algo que me parece fundamental na provocação de Jarmusch refere-se aos processos intermediais como potências de articulação: a palavra literária é vibrátil, ela não ocupa um campo distinto da imagem, antes, funde-se a ela.

    Nessa aposta por uma imagem sensível ao literário, Paterson é um filme no qual os planos se repetem, a narrativa apresenta-se completamente rarefeita, não há cortes abruptos nem sequências mirabolantes. Jarmusch propõe, nesse sentido, uma reflexão especular e metapoemática ao devolver ao olhar do espectador o reverso da imagem fílmica, onde se encontra o horizonte do literário, dizível ou indizível. Uma visibilidade dividida em duas superfícies: a vida mecânica e programática do personagem Paterson, a mesma dos planos e enquadramentos ritualísticos, homogêneos, dos espaços quase estáticos, e uma outra, do etéreo, da palavra que fala, de uma realidade desgarrada das leis pragmáticas, de uma corporalidade textual.

    Há um conjunto de articulações a partir do qual é possível questionar não apenas o lugar do literário, mas o regime da imagem. A proposta deste trabalho é, nessa perspectiva, refletir sobre essa espécie de jogo de forças em que se visualiza a contração de uma imagem diegética – Paterson a viver a rotina do motorista de ônibus e sua vida conjugal com Laura (excêntrica, falante, inquieta) – quando a outra imagem surge na tela em processo de choque; nega-se a pedagogia do silêncio e da incômoda incomunicabilidade por meio da palavra-poemática. Para lembrar Carrière (2015), Jarmusch dá ao espectador algo como uma imagem-névoa ou “névoa da palavra”. Para além das imagens sobre as quais palavras são inscritas/escritas e, assim, sobrevoam livremente o quadro, há várias outras paisagens ocultas provocadas pela experiência do imaginário, pelo ausente, por algo localizável fora da palavra.

Bibliografia

    ALLOA, Emmanuel (Org.). Pensar a imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
    BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
    BERNAS, Steven. L’écrivain au cinéma. Paris: L’Harmattan, 2005.
    CALVINO, Italo. Assunto encerrado: discursos sobre literatura e sociedade. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
    CARRIÈRE. Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
    DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o barroco. Campinas/SP: Papirus, 1991.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Quand les images prennent position. Paris: Ed. de Minuit, 2009.
    PAZ, Octavio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
    PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo hereje. Trad. Miguel S. Pereira. Lisboa: Assírio & Alvim, 1982.
    RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
    VRAY, Jean-Bernard (Org.). Littérature et cinéma: écrire l’image. Saint-Étienne: Publications de l’Université de Saint-Étienne, 1999.