Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Vieira da Silva (UFRJ)

Minicurrículo

    Camila Vieira da Silva é doutoranda em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Pós-Eco UFRJ), mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Comunicação e Cultura pela Faculdade 7 de Setembro (Fa7) e graduada em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa a estética do desaparecimento no cinema contemporâneo brasileiro.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre a passagem e a permanência: estética do desaparecimento em Linz

Resumo

    Dentro de uma pesquisa de imagem que busca tensionar a relação entre passagem e permanência, o longa-metragem “Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem” (2013), de Alexandre Veras, propõe uma experiência do fracasso como catalisadora de um cinema que pensa uma estética do desaparecimento. Trata-se também do esforço em compreender de que modo tal estética considera uma dialética entre presença e ausência, bastante singular dentro do cinema contemporâneo brasileiro.

Resumo expandido

    Em “Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem” (2013), primeiro longa-metragem de ficção de Alexandre Veras, um homem caminha em uma vila soterrada por dunas onde há poucos moradores. Sua relação com o deserto é marcada pelo cansaço de seu corpo, que continua a caminhar sem saber qual será o ponto de chegada. O filme explora ritmos, durações nesta jornada do fracasso dilatado ao limite, diante de uma vila que desapareceu. Não há angústia, nem desespero, mas o corpo enfraquece a ponto de se desvanecer, de desaparecer na paisagem. Ao evitar que um rosto esteja em close, o desaparecimento iminente se produz pela visão distanciada das figuras humanas no espaço e a combinação de quadros vazios.

    As imagens de “Linz” lançam ao espectador uma certa dificuldade, bem como ao próprio personagem: além deste homem que vaga, não existe outra presença humana imediata como anteparo de fruição do olhar. O que ainda é possível ver diante do deserto? Como permanecer neste lugar onde tudo parece ter desaparecido? Quando aquilo que está diante de nós é tocado pelo desaparecimento, não há como negar a “inelutável cisão do olhar” que Didi-Huberman aponta em “O que vemos, o que nos olha” (1998): “o que não vemos com toda a evidência (a evidência visível) não obstante nos olha como uma obra (uma obra visual) de perda” (DIDI-HUBERMAN, 1998: p. 34). Se o visível a princípio implica uma sensação de ter, de garantir uma presença, o que acontece quando algo neste visível nos escapa? Há uma experiência inevitável da perda, do esvaziamento. É produzida uma perturbação no olhar, que já não possibilita mais apenas a visibilidade de uma presença, mas a abertura para o desaparecimento.

    O personagem do filme – um homem até então sem nome que vaga pelo deserto e que, ao longo do filme, descobrimos se chamar Linz – é um caminhoneiro que chega à Tatajuba para entregar móveis a uma moradora da região. Seu próprio ofício o coloca dentro de uma trajetória de itinerância com os lugares por onde passa. No entanto, o encontro com esta vila coloca em xeque a impermanência de Linz, ao ser conduzido a ficar nesta região desértica. O contato com uma experiência que o próprio personagem não tinha é justamente algo que no visível lhe escapa e perturba seu olhar. A singularidade do desaparecimento – a princípio, da vila e, mais tarde, de outros elementos do filme – é o que faz Linz ter sua missão fracassada, mediante a relação entre passagem e permanência.

    A partir da análise de “Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem”, é possível compreender como certo padrão de visibilidade do real pode ser reconfigurado pela potencialização de vazios, interstícios, ausências, desaparecimentos, capazes de desencadear uma cisão no olhar e permitir a aproximação com o mistério e com a sensação de perda. Trata-se de uma aposta em uma estética do desaparecimento que pode lançar outros caminhos estéticos dentro do cinema brasileiro, que tradicionalmente encontra-se ancorado no estatuto da presença, seja pela formulação de uma imagem de Brasil ou pela ênfase na construção de representações histórico-sociais.

Bibliografia

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    BERNARDET, Jean Claude. Brasil em tempo de cinema. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998.

    FIANT, Antony. Pour un cinéma contemporain soustractif. Paris: Presses Universitaires de Vincennes, 2014.

    GLUCKSMANN, Christine Buci. Esthétique de l´Ephémère. Paris: Galilée, 2003.

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. Puc-Rio, 2010.

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