Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Carlos Gerbase (PUCRS)

Minicurrículo

    Carlos Gerbase possui graduação em Jornalismo pela PUCRS (1980), doutorado em Comunicação Social pela PUCRS (2003) e pós-doutorado em Cinema pela Universidade Paris III – Sorbonne Nouvelle (2010). É roteirista e diretor cinematográfico desde 1978, tendo realizado sete longa-metragens e dez curtas. É escritor, com quatro trabalhos de ficção, três obras ensaísticas na área do cinema (tecnologias digitas, direção de atores e realização em super-8) e uma obra didática sobre fundamentos de cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    A PSICANÁLISE EXPLICANDO O CINEMA: O QUE RESTOU DESSE DISCURSO?

Resumo

    Na clássica antologia “A experiência do cinema”, lançada em 1983, Ismail Xavier, organizador da obra e autor do texto introdutório à terceira parte (intitulada “O prazer do olhar e o corpo da voz: a psicanálise diante do filme clássico”), afirma que, entre as três grandes bases teóricas capazes de estudar a narrativa cinematográfica – a semiologia, o marxismo e a psicanálise – apenas esta última resistira aos grandes embates epistemológicos dos anos 70. Perguntamos: será que ainda resiste?

Resumo expandido

    A semiologia, o marxismo e a psicanálise foram, durante boa parte do século 20, ferramentas teóricas importantes na análise da narrativa cinematográfica. Esta primeira constatação, presente em texto de Ismail Xavier publicado em sua clássica antologia “A experiência do cinema”, lançada em 1983, dificilmente seria motivo de polêmica em meados dos anos 80. Mas Ismail deu um passo a mais: escreveu que, naquele momento, tanto a semiologia quanto o marxismo estavam enfraquecidos pelos “desquites, reconciliações, rearranjos e ressentimentos” (XAVIER, 1983, p.356) ocorridos na arena epistemológica dos anos 70. Enquanto isso, a psicanálise ainda resistia, pois permanecia como “o elemento mais estável, ponto de articulação que permanece mais atrativo a teóricos de orientações distintas” (XAVIER, 1983, p.356).

    Ismail escolheu cinco autores do campo da reflexão cinematográfica que trabalharam com a psicanálise para compor a terceira parte do livro (“O prazer do olhar e o corpo da voz: a psicanálise diante do filme clássico”): o alemão Hugo Mauerhofer (texto de 1949), os franceses Jean-Louis Baudry (texto de 1970) e Christian Metz (texto de 1975 e entrevista concedida em 1979), a inglesa Laura Mulvey (texto de 1975) e a americana Mary Ann Doane (texto de 1980). Nossa proposta é voltar aos textos dos três primeiros autores e dar mais um passo no raciocínio de Ismail Xavier, fazendo a pergunta: a psicanálise ainda é uma base confiável para analisar a narrativa dos filmes em 2017?

    Mauerhofer aborda a importância dos sonhos e das fantasias que podem ocorrer no início do sono, aparentemente alinhado a Freud. Destacamos ainda o que Mauerhofer chama de função psicoterapêutica do cinema, que estaria ligada à sua capacidade de provocar “respostas que substituem aspirações e fantasias sempre proteladas que perderam grande parte de sua substância” (MAUERHOFER, in XAVIER, 1983, p.380).

    Jean-Louis Baudry trabalha com Freu e Derrida e propõe uma análise que incorpore “o lugar da base instrumental no conjunto de operações que concorrem para a produção de um filme, excluindo deste nível as implicações econômicas.” (BAUDRY, in XAVIER, 1983, p. 385) A seguir, Baudry faz uma digressão sofisticada sobre representação, em que lança mão da fenomenologia Husserl, chegando a Lacan e aos conceitos de especularização e estádio de espelho. A partir daí, o jargão psicanalítico mostra todo o seu poder (ou toda a sua artificialidade, dependendo do ponto de vista do leitor).

    O texto de Christian Metz com o título “História/discurso (nota sobre dois voyeurismos)” é curto (nove páginas) e claro. Entretanto, na entrevista que se segue, o resultado é bem diferente. Segundo Ismail Xavier, Metz “discute as relações cinema/sonho, cinema/devaneio, cinema/fantasia, tentando tornar menos metafóricas as afirmações a que já estamos acostumados” (XAVIER, 1983, p.364). Para isso, faz largo uso de conceitos freudianos e lacanianos, chegando, é claro, à “ausência do pênis na mulher”, que origina o “processo do fetichismo” (XAVIER, 1983, p.429). Será que Metz ainda está falando de cinema? A sério?

    Na boa teoria e na boa ciência, para além dos jargões e dos novos conceitos, estão ideias que dialogam com a realidade. Ou pelo menos deveriam dialogar. Entre 1983 (lançamento de “A experiência do cinema”) e 2017 (quando escrevo) passaram-se 34 anos. Perguntamos: o que restou dessas elocubrações psicanalíticas em relação aos filmes que vemos hoje, em múltiplos suportes, mas também – e ainda prioritariamente – nas venerandas salas de cinema? Nestas três décadas, a psicanálise foi confrontada por dois oponentes muito agressivos: a psicologia evolutiva e a neurociência. Vamos nos deter em algumas descobertas científicas relatadas por Edward O. Wilson, Michael Gazzaniga, Todd Heatherton, Antonio Damasio e Steven Pinker e tentar verificar o que ainda permanece sólido na psicanálise e, por consequência, na teoria psicanalítica no cinema.

Bibliografia

    DAMASIO, Antonio. E o cérebro criou o homem. São Paulo: Cia. das Letras, 2011
    GAZZANIGA, Michael & HEATHERTON, Todd. Ciência Psicológica: Mente, Cérebro e Comportamento. Porto Alegre: Artmet, 2005
    PINKER, Steven. Tabula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Cia. das Letras, 2004
    WILSON, Edward. Consiliência, a unidade do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1990
    XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme, 1983