Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Reinaldo Cardenuto Filho (FAAP)

Minicurrículo

    Reinaldo Cardenuto é professor na FAAP e possui doutorado em Meios e Processos Audiovisuais (ECA-USP). Dentre suas últimas publicações, destacam-se os artigos “L’écriture de l’histoire dans le cinéma de Leon Hirszman” (2013, Cinéma d’amérique latine) e “Mais humor, menos política: uma certa tendência no drama contemporâneo brasileiro” (2016, revista Varia história). Em 2016, dirigiu o documentário Entre imagens (intervalos) e organizou o livro Antonio Benetazzo, permanências do sensível.

Ficha do Trabalho

Título

    Leon Hirszman ao gravador: as origens estéticas do filme Black-tie

Resumo

    Embora nunca tenha publicado um texto, Leon Hirszman deixou várias gravações em torno de suas ideias. A partir desses áudios, gravados de 1973 a 1986, verifica-se um realizador disposto a repensar seu cinema, sobretudo o modo como o popular deveria ser representado. Dialogando com autores do Teatro de Arena, Hirszman busca fazer uma obra que exponha as contradições vividas pelo Brasil durante a ditadura. Da análise de suas falas, esboça-se uma genealogia do filme Eles não usam black-tie (1981).

Resumo expandido

    Praticamente um ágrafo, Leon Hirszman nunca publicou um texto sobre o seu pensamento artístico. Ao contrário de outros autores do Cinema Novo, a exemplo de Cacá Diegues e de Glauber Rocha, o cineasta não se dedicou ao trabalho como crítico, concentrando-se totalmente na realização de filmes. A despeito dessa curiosa condição, uma vez que seus companheiros geracionais foram constantes produtores de manifestos, análises fílmicas e textos memorialísticos, Hirszman deixaria em fitas cassete uma quantidade razoável das ideias que articulou em torno da sociedade brasileira e do fazer artístico. Composto por conversas gravadas entre 1973 e 1986, esse material, ainda inédito, permite o acesso a falas nas quais o cineasta desenvolveu reflexões sobre a ditadura militar, a política no cinema ou acerca de suas preferências estéticas relacionadas ao campo cinematográfico.
    Durante a década de 1970, Hirszman apresenta-se como um artista em processo de autocrítica. Em sua falas, advém um forte incômodo em relação ao modo como o Cinema Novo havia elaborado, em tempos pretéritos, uma representação da classe popular. Com postura menos contundente que a de Nelson Pereira dos Santos e de Cacá Diegues, que em meados dos anos 1970 acusariam de autoritária uma parcela dos filmes políticos realizados no Brasil pré-golpe de 1964 (SANTOS, 1975; DIEGUES, 1988), Hirszman desenvolveria diversas reflexões apontando limites existentes em suas produções de juventude. Do ponto de vista do cineasta, atravessadas por uma crença utópica na teleologia revolucionária, na aposta “onipotente” (HIRSZMAN, 1973) de que a história caminharia rumo ao socialismo, as suas primeiras obras, como Pedreira de São Diogo (1962), haviam construído uma leitura excessivamente heroica do povo, enquadrando-o em uma positividade esquemática e distante das complexidades existentes na realidade social. Para ele, um dos principais aprendizados em torno desse “equívoco” geracional, visto como consequência do otimismo que marcara aquele período, seria não desistir da arte engajada ou das narrativas em torno do popular, mas repensá-las em um novo contexto marcado pelo autoritarismo de Estado.
    A preocupação em reformular seu cinema, assumindo-o como exposição das contradições (de)formativas do país, ocuparia as falas de Hirszman em suas gravações. Disposto a encontrar novos caminhos, evitando as caricaturas da militância de juventude, o cineasta procuraria ampliar nos anos 1970 a aproximação com dramaturgos que apresentavam inquietações próximas à dele, sobretudo Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Pontes e Vianinha. Localizando nesses autores, originários do Teatro de Arena, um revisionismo parecido com o que defendia naquele momento, Hirszman seria influenciado por peças como Rasga coração (1974) e Gota d´água (1975), nas quais era perceptível uma disposição em prosseguir com as representações do povo, afastando-as da dimensão teleológica anterior e repensando-as como forma de expor criticamente a tragédia vivida no Brasil da ditadura. A partir do encontro artístico com tais dramaturgos, Hirszman modificaria o seu fazer fílmico, comprometendo-se com um projeto de engajamento em prol da democratização do país. O resultado mais conhecido dessas trocas, cujas evidências encontram-se em documentos e nas fitas cassete (HIRSMAN, 1981; 1983), seria a adaptação cinematográfica da peça Eles não usam black-tie, o deslocamento de um texto de 1956 para o ano de 1981. A comparação entre as ideias contidas nas gravações e o longa-metragem apontam para as escolhas estéticas de Hirszman, assim como permitem refletir sobre o esforço em atualizar uma peça encenada antes do golpe de 1964, dela retirando parte dos excessos idealistas referentes à antiga crença revolucionária.
    Concentrando-se no estudo dos áudios de Hirszman, e em desafio à chamada proposta pela SOCINE, a comunicação pretende ampliar o estudo sobre o pensamento do cineasta, contribuindo para um estudo genético acerca das origens do filme Black-tie

Bibliografia

    CARDENUTO, Reinaldo. O cinema político de Leon Hirszman (1976-1981): engajamento e resistência durante o regime militar brasileiro. Tese (Doutorado em Ciências) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.

    DIEGUES, Cacá. Cinema Brasileiro: idéias e imagens. Porto Alegre: UFRGS, 1988.

    HIRSZMAN, Leon. Debate na USP, nov. 1973. Arquivo Edgard Leuenroth/IFCH/Unicamp, fundo Leon Hirszman, grupo 4, série 8.

    __________. Entrevista à rádio Jornal do Brasil, 29 set. 1981. Acervo Edgard Leuenroth/IFCH/Unicamp, fundo Leon Hirszman, grupo 2, subgrupo 16, série 41.

    __________; GUARNIERI, Gianfrancesco. Debate no Museu da Imagem e do Som de São Paulo por ocasião da mostra O operário no cinema alemão e brasileiro, set. 1983. Acervo: midiateca do MIS-SP.

    SANTOS, Nelson Pereira dos. “A hora da virada”. Entrevista concedida a Marcelo Beraba. Rio de Janeiro: Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro, 1975, p. 3-5.