Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Carreiro (UFPE)

Minicurrículo

    Professor do PPGCOM da Universidade Federal de Pernambuco e do Bacharelado em Cinema e Audiovisual da mesma instituição. Mestre e Doutor em Comunicação pela UFPE

Ficha do Trabalho

Título

    O sopro do vento em Sob a Sombra

Seminário

    Teoria e Estética do Som no Audiovisual

Resumo

    Nesta comunicação, pretendemos analisar os usos expressivos do som do vento na produção anglo-jordaniana-qatariana “Sob a Sombra” (2016), do diretor iraniano Babak Anvari. Na obra, os ruídos produzidos pelo vento foram tratados de forma criativa, através de um trabalho de desenho de som ao mesmo tempo tecnicamente simples e conceitualmente sofisticado, para conduzir o espectador em direção a uma experiência afetiva de tensão, desconforto e medo.

Resumo expandido

    O som do vento costuma ser um dos elementos sonoros mais indesejados de um filme (ABBATTE, 2015, p. 35). Na área do som direto, trata-se de um pesadelo para os profissionais envolvidos nas gravações em locação. Capítulos de manuais sobre o tema demonstram técnicas de redução desse objeto sonoro (FIELDEN, 2010; VIERS, 2012). Existem até mesmo equipamentos projetados para evitar ruídos produzidos pelo vento.

    Por outro lado, quando usado de forma cuidadosa, o som do vento pode se tornar um poderoso aliado de sound designers, editores e técnicos de som direto para a produção de afetos no espectador. Desde que não interfira de maneira brusca ou intensa na legibilidade dos diálogos, o vento pode alterar significativamente a expressividade emocional de uma cena – e tem recebido cuidado e atenção especiais nas fases de produção e pós-produção.

    Grosso modo, é possível descrever a presença do som do vento nos filmes através de duas vertentes estéticas principais. Nos filmes mais espetaculares, quando o sopro do vento possui valor expressivo, ganha presença de forma mais proeminente e vibrante. Existem películas em que o vento exerce função narrativa de destaque, e nesses casos costuma ser gravado e editado de forma cuidadosa, como é o caso dos brasileiros Casa de Areia (Andrucha Waddington) e A Ostra e o Vento, de Walter Lima Jr (CÂMARA, 2016), e dos westerns Por um Punhado de Dólares e Três Homens em Conflito, de Sergio Leone (CARREIRO, 2014).

    A segunda vertente, mais diáfana e delicada, registra uma presença do vento mais discreta e sutil. Muitas vezes, a sonoridade do vento sequer pode ser associada a algum afeto ou sensação específica, estando mais ligada à metafísica. O vento pode ter conexões com lendas, simbolismos fantásticos ou dimensões espirituais. Filmes como Andarilhos do deserto (Nacer Khemir), Através das oliveiras (Abbas Khiarostami) ou Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (Apichatpong Weeresethakul) são representantes dessa tendência.

    Nesta comunicação, pretendemos analisar os usos do som do vento na produção anglo-jordaniana-qatariana Sob a Sombra (2016), do iraniano Babak Anvari. Na obra, o vento foi tratado de forma criativa, através de um trabalho de desenho de som tecnicamente simples e conceitualmente sofisticado, para conduzir o espectador em direção a uma experiência afetiva de tensão, desconforto e medo, sem deixar de lado o simbolismo fantástico tipicamente oriental.

    Neste filme, o som do vento é um ruído acusmático (CHION, 2008, p. 61) que possui uma singularidade rara: ele transita com frequência da categoria de som fora de quadro passivo (ambiente sonoro compatível com a realidade da diegese, sem chamar a atenção para si) para a categoria de som fora de quadro ativo (em muitas ocasiões, a modulação das frequências do som do vento antecipa ou sugere a proximidade de uma ameaça sobrenatural aos personagens).

    “Sob a sombra” se passa em Teerã, durante a guerra entre Irã e Iraque. A protagonista é Shideh (Narges Rashidi), ex-estudante de Medicina. Em um prédio antigo, com janelas cobertas por letras X coladas no vidro com fita crepe, ela cuida da filha Dorsa (Avin Manshadi). Depois que a boneca preferida da criança desaparece, a menina diz à mãe que o objeto foi roubado por um djinn (entidade sobrenatural do folclore islâmico que vive no ar e pode assumir qualquer forma). A princípio, a mulher trata a versão com desdém, mas depois que o prédio é atingido por um míssil e outros fatos estranhos começam a ocorrer, ela passa a desconfiar que seja verdade.

    O design de som, assinado pelo inglês Alex Joseph, extrai boa parte dos momentos de tensão e medo do ruído do vento. Na comunicação, pretendemos mostrar que o sound design respeita as convenções do horror (por exemplo, explorando os extremos da escala de volume, indo do silêncio ao caos em frações de segundos para gerar susto), mas não se furta a flertar com a tradição mística mais delicada dos sons ambientes que envolvem a locação principal.

Bibliografia

    ABBATTE, Carlos. Como fazer o som de um filme. Buenos Aires: Libraria, 2015.
    BORDWELL, David. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. Campinas: Papirus Editora, 2008.
    CÂMARA, Márcio. Som Direto no Cinema Brasileiro: fragmentos de uma história. Rio de Janeiro: Márcio Câmara, 2016.
    CARREIRO, Rodrigo. Era uma vez no spaghetti western: o estilo de Sergio Leone. São José dos Pinhais: Editora Estronho, 2014.
    __________. Sobre o som no cinema de horror: padrões recorrentes de estilo. Ciberlegenda, n. 24, Niterói (RJ), Universidade Federal Fluminense, 2011.
    FIELDEN, John. Roll sound: a practical guide for location audio. Honolulu: My planet press, 2010.
    VIERS, Ric. The Location Sound Bible: How to Record Professional Dialog for Film and TV. San Francisco, Michael Wiese Books, 2012.