Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro de Andrade Lima Faissol (USP)

Minicurrículo

    Pedro de Andrade Lima Faissol é doutorando e mestre em “Meios e Processos Audiovisuais” pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), e graduado em Comunicação Social (habilitação Cinema) pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Ficha do Trabalho

Título

    A Anunciação no cinema: uma análise iconográfica de “As Sombras”

Resumo

    Analisaremos o filme “As Sombras” (1982), de Jean-Claude Brisseau, à luz dos elementos plásticos tomados de empréstimo da iconografia da Anunciação. Veremos em que termos o filme retoma alguns dos motivos formais do consagrado dispositivo da pintura renascentista. Ganhará destaque nessa análise o importante trabalho de Daniel Arasse acerca da afinidade particular entre o tema da Anunciação e o instrumento figurativo da perspectiva renascentista.

Resumo expandido

    O episódio bíblico da Anunciação trata do encontro do Anjo Gabriel com a Virgem: o Anjo aparece diante dela, anuncia a vinda do Espírito Santo e afirma que ela conceberá o “Filho do Altíssimo”. Após ouvir e aceitar a mensagem do Anjo, respondendo-lhe que seja feito “segundo a tua Palavra” (Lucas 1:38), Maria permite que o verbo divino se encarne. O episódio da Anunciação, portanto, está intimamente ligado ao da Encarnação. “Responda uma palavra e receba o Verbo” (Das Homilias, São Bernardo).
    Episódio relativamente discreto dentro do conjunto de textos que compõe o Evangelho de São Lucas, a Anunciação ganhou, já nos primórdios do Cristianismo, posição de destaque na exegese bíblica: diversas interpretações foram formuladas para encontrar no interior mesmo das Escrituras – no Antigo Testamento – as evocações ao Anúncio e à chegada do Messias, estabelecendo com o episódio evangélico uma relação espelhada. Na Idade Média, há registros de inúmeras orações e hinos marianos compostos para evocar e enaltecer o episódio da Anunciação; e no Quattrocento italiano o tema supracitado tornou-se um ponto de convergência de um intenso debate de ideias, assim como objeto central de um grande problema de representação.
    Como representar, numa tela fixa, a cena da Anunciação (um tema que se encerra num simples Anúncio – episódio verbal por excelência)? Como fazer coabitar, numa mesma imagem fixa, duas figuras ontologicamente tão distintas – o Anjo e a Virgem? E ainda: levando-se em consideração que o episódio da Anunciação está intimamente ligado ao da Encarnação, como dar visibilidade ao invisível, como dar medida ao incomensurável? A esse complexo problema de representação, a iconografia cristã – vastíssima – responderá com soluções plásticas variadas.
    E no cinema, quais são os desafios inerentes à arte cinematográfica? Como os filmes responderam a esse problema de representação? Como dar visibilidade, numa cena em movimento, à aparição do Anjo anunciando para a Virgem a chegada de Cristo – e a um só tempo, graças à ação do Espírito Santo, miraculosamente concebendo-O?
    A pesquisa em andamento é um estudo sobre o milagre no cinema; ou melhor, um estudo sobre os problemas de representação derivados dessa situação-limite. A representação do milagre, sobretudo na vasta tradição da pintura religiosa, sempre exigiu soluções figurativas muito ricas, conferindo à obra de arte um grande interesse estético e iconográfico. Todas as camadas da representação são intensamente mobilizadas diante do desafio de se recriar o milagre por meio de uma imagem. E é justamente esse desafio, circunscrito ao cinema, que a tese em andamento ambiciona enfrentar.
    Para a presente comunicação, analisaremos uma cena do filme “As Sombras” (1982), de Jean-Claude Brisseau. Trata-se de um filme com personagens mundanos, sem qualquer referência explícita à vida de Jesus. O filme conta a história de uma família desajustada num pequeno apartamento no subúrbio de Paris. Destaca-se a relação de cumplicidade entre Pierre e sua filha, Nathalie, uma espécie disfarçada de anjo anunciador. Apresentaremos o filme selecionado à luz dos elementos plásticos tomados de empréstimo da iconografia da Anunciação. Veremos em que termos o filme retoma alguns dos motivos formais do consagrado dispositivo da pintura renascentista. Ganhará destaque nessa análise o importante trabalho de Daniel Arasse acerca da afinidade particular entre o tema da Anunciação e o instrumento figurativo da perspectiva renascentista.

Bibliografia

    ARASSE, Daniel. “L’annonciation Italienne : Une Histoire de Perspective”. Paris: Hazan, 2010.
    AUMONT, Jacques. “Matière d’images, redux”. Paris: La Différence, 2009.
    AYFRE, Amédée. “Conversion aux images”. Paris: Cerf, 1964.
    PANOFSKY, Erwin. “Perspective as Symbolic Form”. Nova York: Zone Books, 1991.