Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Marina Cavalcanti Tedesco (UFF)

Minicurrículo

    Bacharel em Cinema e doutora em Comunicação, atua como roteirista e diretora de fotografia em produções audiovisuais. Foi co-organizadora dos seguintes livros: “Brasil México Aproximações Cinematográficas” (2011) e “Corpos em projeção: gênero e sexualidade no cinema latino-americano” (2013). É professora do Departamento de Cinema e Vídeo, do Programa de Pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes e do Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense.

Coautor

    Emília Silveira Silberstein (ESPM)

Ficha do Trabalho

Título

    Luzes, sombras, corpos: a fotografia de narrativas televisivas negras

Resumo

    Queen sugar e Insecure são séries televisivas exibidas em 2016. Apesar possuírem roteiros bem diferentes apresentam em comum terem sido criadas e protagonizadas basicamente por mulheres negras e darem destaque a questões de gênero e raça. A presença quase exclusiva de atrizes e atores negros e as histórias contadas colocam para a direção de fotografia a necessidade de romper com a lógica que a embasou até então. Nesta comunicação abordaremos em que medida isso acontece nas produções citadas.

Resumo expandido

    Queen Sugar é uma série televisiva criada por Ava DuVernay e que teve sua primeira temporada exibida em 2016 no Oprah Winfrey Network. Conta a história de duas irmãs e um irmão que, junto com o restante família, se reúnem para reativar a plantação de cana-de-açúcar do pai recém-falecido. Passa-se na Louisiana é é baseada em livro homônimo de Natalie Baszile.
    Insecure, criada por Issa Rae e Larry Wilmore e que foi ao ar no mesmo ano pela HBO, é uma comédia sobre as experiências da mulher negra contemporânea. Seu foco recai principalmente em questões relacionadas a carreira e relacionamentos e tem como protagonistas as amigas de longa data Issa e Molly, moradoras do sul de Los Angeles.
    Apesar de todas as diferenças narrativas que ficam evidenciadas na breve descrição acima, alguns aspectos as aproximam. Em primeiro lugar, a forte presença de mulheres negras na criação das duas produções. Em segundo, a vontade de DuVernay e de Rae de levar à televisão histórias onde pessoas negras, e em especial mulheres negras, estivessem no centro.
    Segundo Rae, “eu só queria que fosse uma história comum sobre pessoas negras” (VOX, 2016), expressando seu desconforto não apenas com a sub-representação, mas com uma representação que, quando ocorre, torna negras e negros personagens-tipo. Não são pessoas vivendo suas vidas como as personagens brancas, e sim representantes de todo um povo. DuVernay, além de desenvolver mais os dramas das irmãs Nova e Charley Bordelon e de sua tia Violet, também considerou gênero e raça na própria montagem da equipe. Sua opção por contratar apenas diretoras mulheres teve bastante repercussão, chegando a influenciar a série Jessica Jones, que já anunciou que na próxima temporada terá apenas diretoras mulheres. “Todas elas fizeram longas-metragens antes, mas à maioria delas nunca foi permitido — permitido pela ‘indústria’, diz ela — dirigir um episódio de televisão. Todas elas tentaram, relata, tendo encontros e metendo o pé na porta. ‘Elas tiveram filmes estreando em Berlin, Venice, SXSW, Sundance, e não podem fazer um episódio de TV. É assim que funciona se você é uma mulher. Isso é tão ridículo’” (THE DAILY BEAST, 2016).
    No que tange à fotografia cinematográfica, podemos identificar que Queen Sugar e Insecure desestabilizam suas técnicas e tecnologias hegemônicas pela cor da pele de atrizes e atores que estão em frente às câmeras, pelo projeto político presente na criação das narrativas e pelos roteiros que são filmados.
    Sobre as técnicas e tecnologias, “pode ser – e certamente é – verdade que o aparato da fotografia e do cinema parece funcionar melhor com pessoas de pele mais clara, mas isso ocorre porque eles foram feitos para isso, e não porque não poderia ser de outro jeito” (DYER, 1999, p.90). Considerando isso, não surpreende que a pele negra se torne um “problema” nos depoimentos e textos dos fotógrafos. E mesmo quando a ideia é demonstrar que ela não demanda nenhum tratamento fotográfico diferente da branca o racismo aparece através de tratamentos “científicos”, que nunca são destinados aos brancos, e da exotização. As duas visões vão de encontro ao projeto político de DuVernay, Rae e Wilmore. Por fim, é preciso lembrar que na imensa maioria dos audiovisuais ficcionais dos anos 1920 em diante trabalha-se com uma fotografia dramática, ou seja, maneja-se a luz – e os demais elementos fotográficos – de modo que ela seja “expressiva, retórica: dramatizada, psicologizada, metaforizada e eletiva. Que participe de um sentimento e de um sentido pleno e transparente (óbvio), ao contrário do mundo… Luz conotada, codificada” (D’ALLONNES, 1991, p. 7). Portanto, roteiros diferentes poderão significar fotografias diferentes.
    Assim, coloca-se como relevante para o campo dos estudos em direção de fotografia procurar compreender em que medida e como houve em Queen Sugar e Insecure um rompimento com a lógica racista que vem embasando os saberes e as práticas da cinematografia desde o seu surgimento.

Bibliografia

    D’ALLONNES, Fabrice Revault. La lumière au cinema. Paris: Editions Cahiers de cinema, 1991.
    DYER, Richard. White. Florence, KY: Taylor & Francis Group, 1999.
    FALLON, Kevin. With ‘Queen Sugar,’ Ava DuVernay Is Here to Blow Up Hollywood. The Daily Beast, 6 set. 2016.
    Disponível em: http://www.thedailybeast.com/articles/2016/09/06/with-queen-sugar-ava-duvernay-is-here-to-blow-up-hollywood.html
    FRAMKE, Caroline. “I just wanted it to be a regular story about black people”: Issa Rae on creating and starring in HBO’s Insecure. Vox, 9 out. 2016.
    Disponível em: http://www.vox.com/culture/2016/10/7/13176104/issa-rae-insecure-hbo-interview
    TEDESCO, Marina Cavalcanti. Picture Styles: gênero e raça na fotografia audiovisual contemporânea. 2015. Trabalho apresentado ao XIX Encontro da SOCINE, Campinas, 2015.
    VELASCO, Suzana. Sob a luz tropical: racismo e padrões de cor da indústria fotográfica no Brasil. Revista Zum, São Paulo: Instituto Moreira Salles, n.10, 2016.