Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Paula Bianconcini Anjos (USP)

Minicurrículo

    Ana Paula Bianconcini Anjos é Professora da área de Inglês do Departamento de Letras Modernas na Universidade de São Paulo. Possui doutorado e mestrado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pelo mesmo departamento. Sua pesquisa sobre o cineasta Woody Allen recebeu financiamento da CAPES, Fulbright e do CNPq. Fez doutorado sanduíche na Universidade de Columbia e realizou pesquisa na Universidade de Princeton. Sua grande área de trabalho concentra-se em Literatura e Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    O mosaico de contradições em Annie Hall

Resumo

    Há quase quarenta anos, “Annie Hall” vem sendo discutido sem que se saliente a centralidade da crítica às primárias norte-americanas do Partido Democrata em 1960. No filme, o protagonista Alvy Singer trabalha como comediante stand-up na campanha de Adlai Stevenson. À luz dos arquivos de Woody Allen, esta pesquisa revela a semelhança entre o personagem interpretado por Allen e o comediante Mort Sahl. Ademais, propõe a interpretação da obra de Allen a partir da ideia do mosaico de contradições.

Resumo expandido

    Certamente uma das cenas mais comentadas do cinema de Woody Allen é o momento em que Alvy Singer (personagem interpretado pelo próprio cineasta) discute na fila do cinema com um professor da Universidade de Columbia e acaba convocando Marshall McLuhan para “ajudá-lo” a derrotar o pedante. Após a cena de pugilismo cômico pseudo-intelectual, o casal Alvy e Annie, ao invés de assistir ao filme “Face a Face”, de Ingmar Bergman, vê “A Dor e a Piedade”, de Marcel Ophüls. Nesse sentido, cabe perguntar qual seria a relação entre o documentário de Ophüls e o filme de Allen? E além disso, no contexto atual de ascensão da extrema direita na Europa, nos EUA (e no Brasil) é necessário retomar “A Dor e a Piedade” e o cenário político de “Annie Hall”.
    Os personagens Alvy e Annie são ícones da onda do empreendedorismo urbano, processo mapeado pelo filme é o da transformação do casal em marca do sucesso corporativo da cidade, com a vestimenta da contracultura. O figurino de Diane Keaton, criado por ela mesma para o filme, o terno e a gravata desalinhados, virou sinônimo do uniforme cult nos escritórios de negócios das transnacionais. O filme de 1977 trata da ascensão da mulher corporativa, figura feminina que será retomada ao longo da carreira de Allen. Esse processo de transformação de Annie Hall em mulher-empresa (por meio do “cultivo” intelectual, patrocinado por Alvy, que paga não apenas pelas sessões de terapia da namorada, como também por cursos universitários e, por fim, presenteia-a com um relógio, símbolo, por excelência, do controle do tempo do trabalho) relaciona-se no filme de Allen com o documentário de Ophüls, “Crônica de uma cidade francesa durante a ocupação” nazista. A forma do filme “Annie Hall” guarda semelhanças com a do documentário de Ophüls por adotar uma estrutura narrativa que estabelece-se por meio de um “mosaico de contradições.” Esse método, que será retomado no período exílico de Woody Allen, compõe-se por meio da incorporação de referências exteriores.
    Em “Annie Hall”, o documentário de Ophüls é retomado em três momentos centrais da narrativa, que analisaremos ao longo da comunicação. Ao comentar “A Dor e a Piedade” com Annie, Alvy tem um flashback de sua participação na campanha de Adlai Stevenson, candidato nas primárias do partido Democrata à presidência dos EUA, derrotado por John F. Kennedy, em 1960. Ao incluir o personagem Alvy Singer na campanha de Stevenson, Allen busca entender a colaboração dos artistas na história política recente dos EUA. Nesse sentido, será importante ressaltar as semelhanças entre o personagem Alvy Singer e o comediante stand-up Mort Sahl, considerado como o precursor da sátira política nos Estados Unidos e frequentemente citado por Allen como o maior mestre da comédia stand-up. O comediante pode ser considerado como um dos “profissionais de Kennedy,” tendo em vista que ele trabalhou para o candidato durante a campanha, redigindo muitos de seus discursos. A participação de Sahl na campanha de JFK é tão intensa, e controversa, que ele chega a ser, em um mesmo evento, mestre de cerimônias e autor dos discursos de JFK e Frank Sinatra. A obsessão de Alvy com o assassinato de Kennedy, ocorrido em 1963, aproxima-o de Sahl, tendo em vista que o comediante participou das investigações do assassinato do presidente americano. Nesse sentido, é preciso entender a figura controversa e difícil de Sahl como parte integrante do clube dos “profissionais de Kennedy.” Apesar da sagacidade da interpretação do cenário político norte-americano, o narcisismo de Sahl impede-o de fazer sua autocrítica. É justamente por meio do papel estruturante da autocrítica no cinema de Allen que ele diferencia-se de seu mestre, Mort Sahl, compondo, à maneira de Marcel Ophüls, um mosaico de contradições a respeito do próprio personagem interpretado por Woody Allen.

Bibliografia

    De Kadt, Emmanuel. The Democratic Convention. In: New Left Review I/5, Setembro-Outubro, 1960.
    Desowitz, Bill. “The Long Shadow of ‘The Sorrow and the Pity,’” The New York Times, Nova York, 7 de maio de 2000.
    Hobsbawn, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991; Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
    LAX, Eric. Woody Allen: a biography. New York: Da Capo Press, 2000.
    Mertes, Tom. American Duopoly. In: New Left Review 49, Janeiro-Fevereiro de 2008.
    Nachman, Gerald. Seriously Funny: the rebel comedians of the 1950s and 1960s. New York: Pantheon Books, 2003.
    “Notes on the comedian: Mort Sahl”: Original draft manuscript; undated; Woody Allen Papers, Box 2, Box 4, Folder 9; Manuscripts Division, Department of Rare Books and Special Collections, Princeton University Library, 1976.
    Sahl, Mort. Heartland. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1976.