Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniel Soares Abib (UFRJ)

Minicurrículo

    Graduado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense, atualmente cursa o mestrado na linha Tecnologias da Comunicação e Estéticas da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Aprofunda-se no estudo da narratividade e da temporalidade no cinema contemporâneo e sua relação com o niilismo e o pessimismo.

Ficha do Trabalho

Título

    A catástrofe e o “tempo do depois” em Béla Tarr

Seminário

    O comum e o cinema

Resumo

    O trabalho busca refletir sobre as figuras da catástrofe que se revelam nos filmes do cineasta húngaro Béla Tarr. Pelos trabalho de Déborah Danowski, Eduardo Viveiros de Castro, Giorgio Agambem e Peter Pál Pelbart tenta estabelecer uma relação entre as perpectivas cada vez mais estreitas do contemporâneo com o que Jacques Rancière denominou como o “tempo do depois”, no cinema de Tarr. Perguntam finalmente, como tornar sensível essa catástrofe ambiental e “existencial” e como habitá-la.

Resumo expandido

    Para Déborah Danowski e Viveiros de Castro a catástrofe já está dada. Pane generalizada dos sistemas ambientais, econômicos, sociais. A questão não é, portanto, como evitá-la, mas o que fazer dela, ou melhor, como habitá-la. Essa catástrofe se desenrola no Antropoceno, a época geológica do homem. Como espécie, atingimos um nível de modificação do ambiente que se tornou irreversível e que deixará marcas suficientemente duradouras para figurar nessa escala do tempo geológico, dos milhões e dos bilhões de anos: muito pouco humana. E nessa mudança de natureza do homem, de espécie para força, muda também a natureza do tempo que habitamos. Confrontada a possibilidade da catástrofe, inapreensível e ininteligível, desmorona a possibilidade de um futuro, ou, sequer, de se pensar um futuro. Assistimos ao destrilhamento do tempo, à uma “instabilidade metatemporal”: “Essa instabilidade metatemporal se conjuga com sua súbita insuficiência de mundo gerando em todos nós algo como a experiência de uma decomposição do tempo (fim) e do espaço (mundo) (…)” (DANOWSKI E VIVEIROS DE CASTRO, pp. 19-20).

    É também o momento de transição de um poder soberano para um poder biopolítico, aquele cuja instauração se exerce pela transformação da “bíos”, ou seja, a forma de vida própria de um indivíduo ou de um grupo, em “zoé”, potência biológica pura (AGAMBEM, 2010). Ou, como coloca Peter Pál Pelbart, a transformação da vida em “vida besta”: “tal rebaixamento global da existência, essa depreciação da vida, sua redução à vida nua, à sobrevida, estágio último do niilismo contemporâneo” (PELBART, p. 29).

    Como tornar visível essa catástrofe “invisível” e torna-la mais apreensível? Não é através da representação (mimética), que pretendemos analisar a questão. Não buscamos histórias sobre a catástrofe, mas uma certa “linguagem” da catástrofe, que nos parece estar articulada em um certo cinema contemporâneo, a uma determinada forma narrativa e um certo uso do tempo. Uma busca que poderíamos resumir com o “captar as forças” deleuziano (DELEUZE, 2012), ou com a fórmula de Paul Klee: “não apresentar o visível, mas tornar visível”.

    Jacques Rancière divide de Béla Tarr em duas fases: a da juventude e a da maturidade. E resume o seu cinema na frase de um personagem de um de seus filmes: “nosso tempo passou”. Filmes cada vez mais negros, que passam de uma altivez de juventude, com câmeras agitadas e próximas aos personagens em combate, para um formalismo cada vez mais distante e frio. Porém, coloca Rancière: “Não há, na sua obra, um tempo dos filmes sociais e um tempo das obras metafísicas e formalistas. (…) Do primeiro ao último filme, é sempre a história de uma promessa falhada” (p. 11). A promessa da emancipação do homem pelo homem que se esfacela e revela um horizonte cada vez mais esmagador e impossível. Personagens destituídos de sua “bíos” e transformados em “zoé”. Parece haver em Tarr o crescente uso de uma narrativa e de uma temporalidade que espelham, ou condensam, esse horizonte da catástrofe em formas sensíveis. Se revela um tempo onde as perspectivas possíveis se esgotam e os movimentos parecem não levar a lugar algum; onde mais nos resta, se não o fim. É o tempo que Rancière vai denominar como o “tempo do depois”.

    O que fazer depois da catástrofe? Como habitar esse tempo do depois? Como resistir ou (existir) a esse aniquilamento do tempo e à inversão das utopias em apocalipses? A reposta de Béla Tarr parece ser como Rancière define: “O tempo do depois não é o da razão reencontrada nem o do desastre esperado. É o tempo do depois das histórias, o tempo em que o interesse recai diretamente sobre a malha sensível na qual elas talham os seus caminhos entre um fim projetado e um fim advindo. Não é o tempo em que se fazem belas frases ou bonitos planos para compensar o vazio de toda a espera. É o tempo em que o interesse recai sobre a própria expectativa” (RANCIÈRE, p. 96).

Bibliografia

    DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por vir?: Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014
    DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo: Cinema 2. Lisboa: Assírio & Alvim, 2006.
    DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
    PELBART, Peter Pál. O tempo não-reconciliado. São Paulo: Perspectiva, 2010.
    RANCIÈRE, Jacques. Béla Tarr: o tempo do depois. Lisboa: Orfeu Negro, 2013.