Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Thiago Rodrigues Lima (UFMG)

Minicurrículo

    Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também obteve o título de bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (2014). Tem experiência na área de Artes e Comunicação, com ênfase em estudos da Imagem (cinema). Integra o grupo de pesquisa da UFMG Poéticas da Experiência, que estuda as múltiplas manifestações do audiovisual contemporâneo.

Ficha do Trabalho

Título

    Interstício e forma meditativa no cinema de Yasujiro Ozu

Resumo

    Este trabalho busca derivar uma teoria sobre o cinema de Yasujiro Ozu a partir de duas noções tradicionais japonesas: ma e mu. Os filmes do diretor são atravessados pela singularidade da experiência nipônica ao se valerem de um espaço-tempo lacunar (ma) em que uma atmosfera emerge a partir de uma afirmação formal do vazio (mu). Observamos, portanto, uma placidez e um ritmo meditativo que emanam das relações intersticiais diegéticas e espaciais e de uma temporalidade planificada.

Resumo expandido

    O cinema de Ozu possui traços singulares que incorporam fortemente a cultura japonesa. Seu estilo é sóbrio e os temas se voltam para as relações presentes na vida da família tradicional nipônica. Considerado o mais japonês dos diretores (ZEMAN In: NAGIB e PARENTE; 1990: 109), muito já se discutiu sobre sua obra possuir uma ambiência estética e recursos formais que refletem a características do Zen. Paul Schrader (1988: 28), por exemplo, observou que Ozu “dirige vazios e silêncios”. Isso pode ser encarado como um reflexo de duas noções da cultura japonesa: ma e mu1. Ma (Cf: PILGRIM; 1986) carrega o sentido de interstício, lacuna, tempo-entre e espaço-entre, enquanto mu, seu complemento, possui o princípio da negação, da ausência, é o vazio que está enraizado nesse intervalo. Keith Geist (1983, p. 234) observa que ele é esse “vazio que eleva sentido à forma, o silêncio que aviva o sentido do som”. A proposta dessa apresentação é derivar uma teoria sobre o cinema de Ozu a partir das noções de ma e mu, ou seja, tracejar novas possibilidades de interpretação de sua obra.
    Seus filmes emanam uma placidez e sobriedade nas relações dos humanos com o mundo. O diretor subtrai toda a intriga e se detêm sobre a banalidade do cotidiano. Os títulos de muitos de seus filmes ressoam a centralidade e a beleza que emergem dessas relações corriqueiras com o mundo2: Late Spring, The Flavor of Green Tea over Rice, Tokyo Twilight, An Autumn Afternoon3. Essa placidez e sobriedade estão presentes na mise-en-scène do diretor, na maneira como são utilizados os espaços e na própria singularidade do fluxo temporal de seus filmes. Nesse sentido, buscamos demonstrar que Ozu se vale de uma estrutura em que se privilegia as relações intersticiais e um ritmo meditativo.
    Tomamos por relações intersticiais não só a criação de estórias sobre o banal e a quebra da dialética causa-efeito, como também o uso de planos destituídos de ação, em que o humano se ausenta do quadro. Ozu fixa a câmera em algum aspecto inanimado do ambiente, o plano dura sobre varais com roupas, salas vazias, vaso de flores e outros espaços. Uma particularidade desses planos reside na suspensão do fluxo diegético ao criar uma tensão entre a suspensão da presença humana e seu retorno. Essas cenas que flutuam entre as ações (ma) propiciam momentos de vazio narrativo (mu).
    Por outro lado, em seu cinema há uma espécie de planificação temporal, em que mesmo questões que poderiam suscitar algum tipo de convulsão, não sofrem espasmos na estrutura diegética. Em Tokyo story essa visão pode ser entendida por um pequeno detalhe que aparece em diversas de suas cenas: a queima do incenso em espiral. Ele queima vagarosa e continuamente sobre um mesmo eixo. Aos poucos suas partes vão se perdendo pelo fogo. A vida dos personagens de Ozu são parecidas, elas giram em torno de um mesmo eixo, o da família, e os acontecimentos intrínsecos à vida – o choque entre as gerações, a morte ou o matrimônio – ocorrem e são tratados como parte da natureza, em conformidade. A própria constância do movimento da queima do incenso é o de seus filmes, em que o tempo parece correr uniforme e placidamente, sem movimentos bruscos. Esse é o movimento que nos permite conceber como meditativo o ritmo de suas obras.
    Em suma, a proposta é apontar, através da análise de algumas cenas, em que medida seus filmes são atravessados pela experiência japonesa ao estarem inseridos em um tempo e espaço intersticial (ma), em que observamos uma atmosfera particular que emerge de uma afirmação formal do vazio (mu).

    1- O ideograma mu é a única inscrição no túmulo de Ozu.
    2- O cotidiano é central nos próprios diários de Ozu. Neles, o diretor pouco diz sobre o fazer filmíco, mas o preenche de detalhes sobre os pequenos eventos do dia-a-dia: as condições climáticas, a descrição das paisagens, as doses de saquê bebidas com os amigos. (Cf: OZU; 1996)
    3- Acreditamos que as traduções dos títulos em inglês são mais fiéis aos originais em japonês.

Bibliografia

    GEIST, Kathe. “West Looks East: The influence of Yasujiro Ozu on Wim Wenders and Peter Handke.”, Art Journal, Vol. 43, N˚ 3, outono, 1983: pp. 234-239.
    NAGIB, Lúcia e PARENTE, André (orgs.). Ozu: O extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo, Marco Zero/Cinemateca Brasileira/Aliança Cultural Brasil-Japão, 1990.
    OZU, Yasujiro. Carnets: 1933-1963. Alive, 1996
    PILGRIM, Richard B. “Intervals (‘Ma’) in space and time: Foundations for a Religio-Aesthetic paradigm in Japan”. History of Religions. University of Chicago, 1986: pp. 255-277.
    SCHRADER, Paul. Trancendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer. Da Capo, 1988.