Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Sombra (UFRJ)

Minicurrículo

    Mestre em Estudos de Cinema pela San Francisco State University (EUA), Rodrigo Sombra é doutorando do programa de Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema de John Akomfrah e os devires da memórias diaspórica

Resumo

    Este trabalho pretende investigar a obra de John Akomfrah, enfocando os modos pelos quais, ao reanimar imagens de arquivo, seus filmes conformariam uma história da diáspora na Inglaterra do pós-guerra. Recorremos a Walter Benjamin a fim de compreender como a imagem se apresentaria como um modelo de pensamento sobre a história. Interessa-nos aqui analisar como o recuo à memória em Akomfrah produziria figurações do devir das comunidades diaspóricas, ensejando a espera de uma comunidade por vir.

Resumo expandido

    Figura paradigmática de uma geração de artistas negros britânicos surgidos nos anos 80, o cineasta John Akomfrah tem se dedicado a problematizar temas como raça e identidade, memória e diáspora, a partir de um questionamento permanente sobre as tensões entre imagem e história. Este trabalho tem por objetivo investigar como sua obra poderia constituir, através das operações expressivas do cinema, uma história da diáspora na Inglaterra do pós-guerra. Nesse sentido, situamos Akomfrah a um só tempo como cineasta e historiador das imagens empenhado em, através de operações de montagem (entendida aqui na formulação de Walter Benjamin, tanto princípio estético como forma de conhecimento), reanimar memórias da diáspora. Analisaremos o documentário “The Nine Muses” (2010), montagem de citações literárias e imagens de arquivo extraídas de cinejornais, documentários oficiais e reportagens que se ocupam da chegada de africanos, asiáticos e caribenhos emigrados à Inglaterra.

    Ao sugerirmos uma aproximação com a obra de Akomfrah sob o prisma da história, não estamos aqui no terreno do historicismo ou da representação. Ou seja, não tomamos “história” por uma narrativa empenhada em reconstituir retroativamente o passado a fim de conhecê-lo “assim como ele foi”. Tampouco subscrevemos a ideia de que o cinema seria capaz de restituir um acontecimento preexistente em sua totalidade. A intenção aqui é investigar a suposição de uma historiografia segundo o modelo imagético esboçado por Walter Benjamin. É notório que a difusão da fotografia e do cinema na modernidade postularam uma virada epistemológica para Benjamin. Em consequência, seu pensamento constituiria uma tentativa de infundir na escrita historiográfica os procedimentos da imagem. Daí o crítico alemão descrever seu livro “Passagens” como tentativa de “demonstrar que a apresentação materialista da história é imagística em um sentido mais elevado do que na historiografia tradicional” (BENJAMIN, 1989: 51). Para Benjamin, as imagens do passado não se reduzem à condição de simples documentos da história, mas mobilizam um saber próprio. Como sugere Didi-Huberman, “a imagem não tem lugar assinalável de uma vez e para sempre: seu movimento aponta para uma desterritorialização generalizada” (DIDI-HUBERMAN, 2009: 163). Assim, diante de uma imagem de arquivo, nos confrontamos com a atualidade inscrita na imagem, mas também com aquilo que escapa à intenção do cinegrafista, aquilo que extrapola as percepções de seus contemporâneos, as latências de futuro, o impensado. Logo, toda imagem, seria um processo, uma bifurcação que oscila entre seu valor documental e sua potência espectral.

    Sustentamos que as imagens de arquivo que registram o olhar da cultura britânica hegemônica sobre os imigrantes confrontariam Akomfrah também como uma bifurcação. Assim, perceberia nelas tanto as violências e silenciamentos da história, como seria assaltado por vestígios de valor incomensurável que clamam por serem visados no presente. Em “The Nine Muses”, Akomfrah mobiliza uma dialética entre os corpos, rostos, gestos inscritos nas imagens e a parte que lhes falta, aquilo que não podem, mas clamam por dizer. Nosso intuito é analisar como tal dialética se efetua a partir da montagem e do estilhaçamento da voz no documentário, da proliferação de citações (destacamos Beckett) que põe em relevo as subjetividades cindidas do “eu diaspórico”, realçam sua “consciência dupla” (GILROY, 1993), apanham-no no momento mesmo em que devém outro. Por fim, considerando o elo entre memória e devir em “The Nine Muses”, nos interessa interrogar de que modo a exposição da história dos povos diaspóricos em Akomfrah serviria não para mitificar as lutas políticas do passado ou situar o imigrante no papel da “vítima da história”, realizando-se “mais bem no desejo, quer dizer, na expressão patética, intensificada, agonística, de algo que falta” (DIDI-HUBERMAN, 2011: 220), na espera de a uma comunidade por vir.

Bibliografia

    Benjamin, Walter. Philosophy, Aesthethic, History. Chicago: Chicaco University Press, 1989.

    __________, Obras Escolhidas I: Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense,1985.

    Cadava, Eduardo. Words of Light – Thesis on the Photography of History. Princeton: Princeton University Press, 1997.

    Deleuze, Giles. Cinema II – Imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1989.

    Didi-Huberman, Georges. Ante el Tiempo. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2011

    __________________.Pueblos Expuestos, Pueblos Figurantes. Buenos Aires: Manantial,
    2014.

    Gilroy, Paul. The Black Atlantic – Modernity and double consciousness . Cambridge: Harvard University Press, 1993.

    Glissant, Édouard. Poetics of Relation. Arbor: University of Michigan Press, 1997.

    Marks, Laura. The Skin of the film – Intercultural cinema, embodiment and the senses. Durham: Duke University Press, 200.