Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Livia Azevedo Lima (ECA-USP)

Minicurrículo

    Livia Azevedo Lima é editora de livros e pesquisadora. Entre 2011 e 2015, trabalhou na Cosac Naify onde foi responsável pela coordenação editorial da coleção Cinema Teatro e Modernidade organizada pelo Prof. Dr. Ismail Xavier e pelas demais publicações da área de cinema. Atualmente presta serviços de preparação e revisão de textos para instituições como Companhia das Letras, IMS e Bienal de São Paulo e realiza mestrado do Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP.

Ficha do Trabalho

Título

    Os diálogos entre Nina e Ana em A casa assassinada, de Saraceni

Seminário

    Cinema e literatura, palavra e imagem

Resumo

    Esta comunicação propõe uma análise do filme A casa assassinada, de Paulo César Saraceni, a partir da relação que ele estabelece com a prosa de Lúcio Cardoso. Para tal, se concentrará nas diferenças entre os efeitos dramáticos provocados pelos diálogos entre as personagens femininas Nina e Ana no filme A casa assassinada e no romance Crônica da casa assassinada.

Resumo expandido

    O longa-metragem A casa assassinada (Paulo César Saraceni, 1971) é resultado do desafio de adaptar Crônica da casa assassinada (Lúcio Cardoso, 1959), um romance longo, não cronológico e construído a partir da colagem de textos de diversas narrativas de si (trechos de diário, cartas, confissões, depoimentos), num caleidoscópio que reflete a tensão entre desejo e culpa das personagens.
    Não bastasse a dificuldade da trama, Saraceni estava diante da dificuldade da fábula. O enredo conta a história de Nina (Norma Bengell), uma mulher da cidade grande que se muda para a província mineira após se casar com Valdo Meneses (Rubens Araújo). Emancipada e bem resolvida sexualmente, Nina luta para preservar sua dignidade no seio de uma família conservadora, que ela descobre arruinada economicamente e que, diante de sua presença, revela desejos recalcados. Trata-se de uma narrativa trágica que perpassa temas complexos caros a Lúcio Cardoso, como adultério, inveja, traição, homossexualidade, patriarcalismo, suicídio, loucura, câncer e incesto.
    Assim, para realizar a análise do filme A casa assassinada a partir da relação que ele estabelece com a prosa cardosiana é preciso compreender como se dá a adaptação de um romance de tensão interiorizada, forma moderna e temática trágica, cujo foco narrativo são as angústias das personagens levadas ao limite. A partir da consideração de Gilda de Mello e Souza (2009, pp. 223-37) sobre o excesso nos diálogos em O desafio (Paulo César Saraceni, 1965) e da insistência de Glauber Rocha (1997, pp. 150, 157) para Saraceni tomar cuidado com os diálogos excessivamente literários de Lúcio Cardoso ao escrever o roteiro de A casa assassinada, surgiu o interesse de tomar os diálogos como ponto de ancoragem para a análise do filme. Como as personagens femininas muitas vezes exercem protagonismo e têm importância decisiva tanto na obra do escritor (ver CARDOSO, E., 2010) como na do cineasta, escolhemos nos concentrar aqui nas duas sequências de diálogos entre as personagens Nina e sua cunhada Ana (Tetê Medina), que fica obcecada pela beleza, pelos modos liberados e pela maneira como a forasteira atrai para si todos os olhares masculinos.
    A primeira sequência é um diálogo rápido, entre os minutos 33’12’’ e 33’30’’ do filme, no qual elas conversam sobre os encantos que os cabelos de Nina exercem. Na segunda, Ana flagra Nina transando com André (Augusto Lourenço) – que Nina acreditava ser seu filho com o jardineiro Alberto (também interpretado por Augusto Lourenço), mas na verdade era filho de Alberto e Ana – e ocorre um longo embate entre os minutos 1h14’30’’ e 1h20’’. Ana está com uma arma na mão e as duas fixam o olhar uma na outra à medida que trocam de lugar com movimentos circulares, como se estivessem em um duelo. Vale ressaltar que esses diálogos integram um conjunto de sequências que se passa no espaço do jardim e que se contrapõe ao conjunto das situações dramáticas ocorridas no interior da casa.
    No livro, os diálogos, preservados na estrutura da carta ou do texto memorialístico, possuem o tom de quem reconstitui uma narrativa enviesada pela distância da memória que retém o sabor das emoções, o que interessa contar em defesa própria, não o ocorrido. É um tom que transita entre o da confissão religiosa e o da sessão de psicanálise, mas que, por fim, encontra um efeito de distanciamento e testemunho próximo ao do coro da tragédia grega (ver BOSI 1994, p. 414). No filme, em contrapartida, esses diálogos são vistos no corpo das personagens, uma frente à outra, e o excesso algumas vezes parece conduzir à matriz melodramática do dizer tudo. Diante disso, o interesse desta comunicação é observar como se opera a relação entre palavra e imagem em torno do uso dos diálogos, no livro e no filme.

Bibliografia

    BOSI, Alfredo. “Lúcio Cardoso”. In: História concisa da literatura brasileira. 39ª ed. São Paulo: Cultrix, 1994, pp. 413-15.
    CARDOSO, Elizabeth. Feminilidade e transgressão: uma leitura da prosa de Lúcio Cardoso. São Paulo: Humanitas/ Fapesp, 2013.
    CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. Edição crítica. 2ª ed. Mario Carelli (Org.). Paris: Unesco, 1996.
    MELLO E SOUZA, Gilda de. “Diálogo e imagem n’O desafio”. In: Exercícios de leitura. 2ª ed. São Paulo: Duas Cidades/ Editora 34, 2009, pp. 223-37.
    ROCHA, Glauber. Cartas ao mundo. Ivana Bentes (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
    SARACENI, Paulo César. Por dentro do Cinema Novo: Minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
    XAVIER, Ismail. “Do texto ao filme”. In: PELLEGRINI, Tânia (Org.). Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Senac/ Instituto Itaú Cultural, 2003a, pp. 61-89.
    ___. O olhar e a cena: Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac Naify, 2003b.