Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Clarisse Maria Castro de Alvarenga (UFMG)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação Social (UFMG) e mestre em Multimeios (Unicamp). É professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem interesse nos seguintes temas: cinema brasileiro, cinema documentário, vídeo popular, audiovisual comunitário e cinema e educação. Seu trabalho envolve um foco especial em filmes feitos sobre/com/por grupos indígenas. Integra o corpo editorial da revista Devires Cinema e Humanidades.

Ficha do Trabalho

Título

    Por uma pedagogia das imagens com os Mbya Guarani

Seminário

    Cinema e educação

Resumo

    Neste trabalho abordo os filmes Desterro Guarani (2011), Duas aldeias, uma caminhada (2008) e Bicicletas de Nhanderú (2011), realizados dentro do contexto do projeto Vídeo nas Aldeias. Acredito que no conjunto esses três filmes, tanto do ponto de vista dos seus procedimentos constitutivos quanto da forma fílmica, indicam a possibilidade de uma singular pedagogia das imagens que questiona a maneira como a sociedade ocidental produz conhecimentos e representações.

Resumo expandido

    Pretendo relacionar três das experiências que integram a filmografia Mbya Guarani: os filmes Desterro Guarani, (2011); Duas aldeias, uma caminhada (2008) e Bicicletas de Nhanderú (2011). Todos os três são documentários realizados a partir de oficinas de vídeo ministradas dentro do contexto do projeto Vídeo nas Aldeias. Acredito que, para além de uma metodologia de ensino do cinema a povos nativos, essa experiência explicita em sua escritura uma pedagogia que questiona a maneira como a sociedade ocidental produz conhecimentos e representações. Ao tomar contato com diversas representações deles realizadas pela sociedade brasileira, os Mbya Guarani se reposicionam em relação ao olhar que a sociedade lança sobre eles historicamente e nos dias de hoje. Sugiro que esse reposicionamento seja entendido como uma pedagogia que não apenas permite aos indígenas aprender a realizar um filme, mas permite também que tanto a sociedade não-indígena quanto os indígenas alterem suas relações uns com os outros e com os mundos que eles identificam. Alguns dos filmes realizados atualmente por cineastas indígenas, para além do Vídeo nas Aldeias, expressam de forma contundente o modo como as várias etnias elaboram o contato com o mundo ocidental e se debatem reversamente diante do modo como os brancos lhes dirigem o olhar, enquadrando-os em seu imaginário.
    O crítico Serge Daney (2007) atribuiu aos cinemas de Jean-Luc Godard e Jean-Marie Straub uma pedagogia: “Pedagogia godardiana” e “Pedagogia straubiana”. Para Daney, o auto-didatismo da cinefilia, formada nas seções da cinemateca francesa, é também uma crença no cinema como escola, um “bom lugar” onde se vai para aprender sobre o mundo. No caso de Godard, Daney indica que dois gestos estariam na base dessa pedagogia: “reter” as imagens, “guardá-las” (DANEY, 2007, p. 112), e, em seguida, “restituí-las” ao espectador como forma de “reparação” (DANEY, 2007, p. 114), não sem antes colocá-las em perspectiva, comentá-las, criticá-las. A pedagogia straubiana estaría baseada numa “prática generalizada da disjunção” (DANEY, 2007, p. 100) que, entre outros aspectos, envolve a possibilidade de “remarcar no aparelho uma enunciação que o aparelho despossui a priori” (DANEY, 2007, p. 101), além de outras aproximações entre elementos heterogêneos como as vozes e as imagens, para citar uma delas.
    A exemplo daquilo que Daney observa em Godard e Straub, acredito que o cinema dos Mbya Guarani aponta para a possibilidade de uma pedagogia Mbya Guarani. Entre os procedimentos privilegiados está a explicitação das diferentes perspectivas (VIVEIROS DE CASTRO, 2002) inerente ao encontro entre mundos. Não apenas formas diferentes de olhar para a mesma imagem ou para o mesmo mundo, mas a possibilidade de uma imagem expressar a diferença entre os mundos na mesma medida em que os relaciona, o que torna-se evidente nos equívocos que surgem a partir dessa aproximação. Por isso, olhar para esses filmes nos permite elaborar em outros termos a relação entre os povos e deles com os mundos por meio da imagem.

Bibliografia

    BOSI, Alfredo. Fenomenologia do olhar. In: ADAUTO, Novaes (org.). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 65-87.
    COMOLLI, Jean-Louis. Sob o risco do real. In: Catálogo do 5º Festival do Filme Documentário e Etnográfico – Fórum de Antropologia, cinema e vídeo. Belo Horizonte: Associação Filmes de Quintal, 2001, p. 99-108.
    DANEY, Serge. A rampa. Cahiers du cinema 1970-1982. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
    SECIN, Viviam Kazue Andó Vianna. A visão binocular dos Guarani Mbya: ortóptica, oralidade e letramento. Curitiba: Appris, 2016.
    VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectival anthropology and the method of controlled equivocation. In: Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America. v. 2, Issue 1. EUA: Berkeley Electronic Press, 2004.
    VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2002.