Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Angeluccia Bernardes Habert (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Angeluccia Bernardes Habert é doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP; Mestre em Ciências Sociais pela FFLCH/USP; e é professora do programa de Mestrado e Doutorado em Comunicação Social da PUC-Rio. É autora de A fotonovela e a Indústria Cultural e A Bahia de outr’ora, agora. Pesquisa atualmente sobre Cinema Documentário, e Cinema e Sagrado.

Ficha do Trabalho

Título

    St. Vincent, Um Santo Vizinho: uma narrativa exemplar

Mesa

    Exemplaridade e Devoção nos Filmes Hagiográficos

Resumo

    Esta comunicação retoma a questão da hagiografia representada no cinema. Continua a discussão em torno de filmes que enfeixam ações cotidianas, gestos e experiências de vida de personagens contemporâneas e, no momento, detêm-se no filme St. Vincent (2014), Um Santo Vizinho, de Theodore Melfi.

Resumo expandido

    Diz Agamben em A Comunidade que vem : um conceito que “escapa da antinomia entre o universal e o particular nos é desde sempre familiar: é o exemplo. Em qualquer que seja o âmbito, ele faz valer a sua força; o que caracteriza o exemplo é que ele vale para todos os casos do mesmo gênero e, ao mesmo tempo, está incluído entre eles” . O exemplo é, portanto, um caso único, destacado, que possui a característica de generalidade ao permitir ser lido em relação a outros casos da classe. E fala com propriedade daquilo que se quer falar, do extremamente específico e, ao mesmo tempo, se permite envolver com um mais longo contexto histórico.
    O filme St. Vincent (2014), Um Santo Vizinho, de Theodore Melfi é, até certo ponto, o reverso de uma história edificante, sendo uma espécie de duplicação assimétrica da narrativa de uma experiência de santidade. No título em inglês, fica marcada a sua significação singular e, de forma mais contundente, acentua a inversão na releitura das propriedades e dos traços comum à classe de santidade – os méritos e as virtudes celebradas – em relação à personagem central do filme. O título em português, diferentemente, encaminha uma acepção menos provocativa, pois qualifica e particulariza em “um vizinho”.
    Ao contrário dos filmes que se submetem à narrativa tradicional religiosa, este filme não compartilha a fórmula idealizada de relatar o caminho da santidade. Não chega a vocalizar um pensamento de cristandade, de crenças uníssonas, mas expressa uma pluralidade diversa, harmonizada por uma montagem de continuidade e por adoção a uma certa “evangelização publicitária”. Celebra este reconhecimento do santo em qualquer outro, em uma atividade quase ritual, acentuando que as vidas de santos sempre foram lidas em público e com o sentido de criar convencimento e devoção. As vidas – descritas com traços individuais e em perspectiva desorganizada – aproximam o cotidiano e descrevem os conflitos vivenciados em suas instituições por personagens destituídos e, aparentemente, sem fortes laços afetivos e sociais.
    Uma mãe recém divorciada se muda para um outro local da cidade de New York, perto de seu novo emprego em um hospital. Matricula seu filho adotivo de 12 anos em uma escola católica, a despeito de ele ser judeu. Melhor, “eu penso … ser judeu”, como diz para o professor, um simpático padre católico, no seu primeiro dia na escola . Os outros alunos se identificam como ateus, budistas, evangélicos e ” eu não sei”, a categoria mais representativa. Estudam a “vida de santos” e deverão escrever um relato sobre um santo contemporâneo. A mãe, em desespero com as atribuições do trabalho, apóia-se em um vizinho destemperado, ex-combatente do Vietnã, que recebe em casa uma prostituta e freqüenta bares de striptease e corridas de cavalo. Como sobreviver na selva da cidade sem relações de sustentação? Como vivenciar um mundo e uma realidade “em que eventos físicos e processos econômicos se desenrolam em uma caótica diversidade” ?
    Um Santo Vizinho permite que o carisma de Bill Murray brilhe nesta intervenção no “sub-gênero, em expansão, de adultos irresponsáveis”. Em relação ao cinema que se faz hoje, o filme nos aproxima de outros títulos que desprezam o sentido da casa protetora, enquanto uma fé organizada, autoridade e cultos tradicionais. Ou só reajam ao sonho americano da casa do subúrbio, recentemente abalado pelo desemprego e pela crise das hipotecas. Firmam a ideia de abrigos provisórios, também detonados como as personagens, os peregrinos sem guarida. Estes filmes transfiguram o medo, a incerteza e a fragilidade humanas em fantasia, não tanto no sentido de trabalhar a presença do sobrenatural e do além da morte, como a filmografia americana dos anos 30 e 40, mas na restauração da relação Eu e o Outro, construída sobre os escombros da realidade física.

Bibliografia

    AGAMBEN, G. A Comunidade que vem. Belo Horizonte: Autentica, 2013.
    AGAMBEN, G.A. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
    HANSEN, M. B. Cinema and Experience: Siegfried Kracauer, Walter Benjamin and Theodor W. Adorno. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2012.
    KRACAUER, S. Theory of Film : The Redemption of Physical Reality. New York : Oxford University Press, 1960.
    KRACAUER, S. O Ornamento das Massas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.