Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Nilson Assunção Alvarenga (UFJF)

Minicurrículo

    Doutor em Filosofia pela PUC-Rio. Professor da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora

Ficha do Trabalho

Título

    As duas ficções de Rick e os regimes da fábula cinematográfica

Mesa

    François Ozon – Narrativas mutantes para um espectador indiscreto

Resumo

    Encontramos em Ricky uma história dentro de outra: a de uma personagem que ficionaliza sua própria vida; e a história que o narrador está contando. Pensando que cada uma dessas histórias pode ser referida a um modelo – a narrativa clássica da personagem e a realista do narrador – e de que a esses modelos podemos associar regimes da arte que J. Ranciere chama de representacional e estético, busca-se indagar como o filme aponta para uma mistura potente entre modelos da arte cinematográfica.

Resumo expandido

    Em Ricky, como em outros filmes de Ozon, encontramos uma história dentro de outra: a de um personagem (Lisa) que ficionaliza sua própria vida e a dos outros personagens (a mãe e o namorado e o irmãozinho, que haverá de se chamar Ricky); e a outra, a história que o narrador está contando. O narrador narra, então, o próprio processo de ficcionalização, isto é, a construção de uma ficção por um personagem. O tema do filme, então, num nível superficial, é, para o espectador, a história que Lisa constrói sobre si e sobre sua família, sob o impacto da iminente chegada de um irmãozinho; mas, num outro nível, o tema é a própria ficcionalização, e o espectador percebe-se cúmplice daquela primeira fabulação. Interessa, primeiro, pensar qual a natureza das duas histórias e, segundo, qual o efeito, para o espectador, dessa experiência da ficção como tema.
    De um ponto de vista formal, a história criada por Lisa segue o modelo de uma narrativa clássica (no sentido da conceituação de Bordwell), ora repleta de peripécias, como num gênero de aventura, ora marcada pelo suspense, como num thriller, com uma unidade de ação relacionada ao destino do menino que, ainda na barriga da mãe (o que descobrimos no final), ganha asas na imaginação da menina e na diegese imediata do filme. Mas e a outra ficção, aquela que corre subterraneamente até a descobrirmos no final e que é a fábula que o narrador efetivamente está contando – a história dos três, da mãe, com emprego precário, sozinha, sem saber se vai poder ter a criança; do rompimento do namoro, da volta de Paco, da menina aprendendo a se relacionar com ele etc? Essa “história subterrânea”, que é a “verdadeira” história do filme, adere, por seu lado, a um modelo realista (cuja conceituação remonta a Bazin e Deleuze), marcada não mais pela unidade de ação e sim pela unidade dos personagens ou, se quisermos, uma unidade dos afetos (Deleuze).
    Ora, diante dessa experiência de dois modelos narrativos num mesmo filme, é possível pensar na coexistência de dois regimes do cinema, tal como pensados por Jacques Rancière – o regime da poética clássica – representacional – e o regime de poética “modernista” – própria ao regime estético da arte. Se é assim, poderíamos indagar, então, se, do ponto de vista da experiência do estética do filme, a mistura de modelos ficcionais em Ricky não apontaria para um regime misto, de trânsito, criando uma oscilação que confunde o espectador. Mas, ao mesmo tempo que confunde, por isso mesmo o coloca no terreno de uma narrativa vetorizada pela potência (para além da narrativa atual), acionando seu desejo de fabulação para além dos modelos narrativos “estáveis” em seu sentido fixo. É nesse sentido que o tema central do filme pode ser pensado como a própria fabulação; e, pensando no espectador, em sua oscilação entre modelos narrativos, identificando-se ora com a personagem ora com o narrador, percebe o que é “fabular”, independente do modelo puro a que Ricky está aderido.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. A potência do pensamento. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
    BAZIN, A. O que é cinema. São Paulo: Cosac Naif, 2014.
    BORDWELL, David. Narración en el Cine de Ficcion. Paidós: Madrid, Barcelona, 1996.
    DELEUZE, G. Cinema 2. A Imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
    DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O que e’ a filosofia? Rio de. Janeiro: Ed. 34, 1991.
    RANCIERE, Jacques. A Partilha do Sensível. São Paulo: Exo Experimental org. 2009.
    ____ . A fabula cinematográfica. Campinas: Papirus, 2005.
    ____ . O Efeito de realidade e a política da ficção. Novos Estudos CEBRAP 86, março 2010. pp. 75-90.