Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Gilberto Alexandre Sobrinho (UNICAMP)

Minicurrículo

    É Professor e Coordenador da Pós-Graduação do IA – UNICAMP. Foi Professor Visitante no Departamento de Cinema, da San Francisco State University (Capes/Fulbright), foi Professor Visitante no Departamento de Comunicação da Universidad Iberoamericana (Santander), na Cidade do México. Publicou o livro O Autor Multiplicado (Alameda). Dirigiu os documentários Diário de Exus (2014) e A Dança da Amizade (2015). Foi o Organizador do congresso da SOCINE, em 2015, na UNICAMP

Ficha do Trabalho

Título

    Confissões, afetos e as marcas da diferença no documentário

Resumo

    O ato da confissão permeia produtos audiovisuais. Trata-se de um falar de si para dispositivos de gravação de imagem e som, numa relação dúbia de espelho e janela. Nos documentários, há infinitas formas de ativação e atualização desses recursos, voltadas para as construções de identidades e subjetividades, ensejadas por relações de conhecimento e de poder. Interessa observar o confessional em documentários de Helena Solberg, Vincent Carelli, Joel Zito Araújo, Dácio Pinheiro e Carlos Nader.

Resumo expandido

    Confissões religiosas, médicas ou no divã têm sido as formas tradicionais pelas quais as pessoas organizam, via linguagem, seus relatos mais pessoais. Santo Agostinho (As Confissões) e o legado psicanalítico de Freud constituem-se, assim, em formas reguladoras da experiência, em que o ato de confessar busca tornar os sujeitos mais familiarizados consigo mesmos. Para Michel Foucault (2003), esse ato de falar de si produz sentimentos e desdobramentos variados em quem o realiza, tais como a inocência, a compreensão, a libertação, a salvação de si etc. Enfileirando-se aos dispositivos confessionais e suas relações de poder, o filme documentário tem construído uma potente história embalada pelas relações subjetivas que consideram, de formas variadas, as falas íntimas. Crônica de um verão (1961) de Jean Rouch, disparou essas possibilidades de confissões cinemáticas. Seguidamente, câmeras miniaturizadas e gravadores portáteis tornaram as narrações de si expandidas e recorrentes. Tendo como inflexão o cinema verdade, com desdobramentos que incluem narrativas potentes que adensam traumas históricos, como Shoah (1985), de Claude Lanzman, a banalização e mercantilização do falar de si nos programas televisivos de forte apelo comercial e uma infinidade de canais pessoais no Youtube, as confissões estão em todo lugar na paisagem audiovisual. Desde a emergência de práticas cinematográficas e videográficas independentes, que operam a partir da expressão de cunho feminista, “o pessoal é político”, formas variadas de confissões, em formas de cabeças falantes, corpos políticos ou arquivos audiovisuais têm dado o tom de narrativas que tencionam as relações étnico-raciais e de gênero e sexualidade. Assim, mulheres, negros, indígenas e comunidades LGBT têm narrado suas histórias pessoais para a câmera e o gravador, alinhando documentário e reivindicações de movimentos sociais, com forte condução de relatos pessoais associados a esses marcadores de diferença. Nesse sentido, seguindo com Foucault (1990), compreendo o documentário como uma tecnologia de construção de subjetividades, e que ao lançar mão de confissões, afirma a diferença desses mesmos sujeitos em suas agências. Desse modo, filmes, mais que representar, produzem gênero, raça, etnia etc. Os filmes Carmen Miranda, Bananas is my business (Helena Solberg, 1995), A negação do Brasil (Joel Zito Araújo, 2000), Meu amigo Cláudia (Dácio Pinheiro, 2009), Corumbiara (Vincent Carelli, 2009) e A paixão segundo JL (Carlos Nader, 2014) serão considerados, por atualizarem mecanismos distintos do confessional, cujos resultados apontam para narrativas que vão além da representação e evocam questões de identidade e subjetivação, motivadas pelo circuito afetivo que as manifestações da intimidade provocam. Nos documentários, as questões da mulher, do negro, dos transexuais, dos indígenas e dos gays são traduzidas em narrações particularizadas, utilizando-se recursos de captura e significação do pessoal de formas singulares. Tem-se, portanto, relatos pessoais intimistas que disparam um circuito afetivo que potencializa as relações entre os discursos de sobriedade (Nichols, 1997), as pautas de movimentos sociais, comunidades e minorias e a experiência artística nas narrativas. Por via comparativa, pretende-se observar diferentes formas de lidar com a diferença, em documentários marcados pela presença de relatos pessoais. O ponto de partida é a própria ideia de que os documentários também são agentes produtores da diferença.

Bibliografia

    BAUDRY, Jean-Louis. Cinema: efeitos ideológicos produzidos pelo aparelho de base. In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983
    FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 2003
    FOUCAULT, Michel Tecnologias del yo – Y otros textos afines. Barcelona: Paidós, 1990
    HALL, Stuart. Da diáspora. Identidade e mediações culturais. Belo Horizonte : Editora da
    UFMG, 2009
    LAURETIS, Teresa. A tecnologia de gênero. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica cultural. Rio de Janeiro, Rocco, 1994
    MULVEY, Laura. Prazer visual e cinema e cinema narrativo.In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983
    NICHOLS, Bill. La representación de la realidad. Barcelona: Paidós, 1997.
    RENOV, Michael. Video Confessions. In: Renov, Michael e Suderbur, Erika Resolutions. Contemporary vídeo practices. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996