Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Denilson Lopes Silva (UFRJ)

Minicurrículo

    Professor Associado da Escola de Comunicação da UFRJ , pesquisador do CNPq e autor de No coração do mundo: paisagens transculturais (Rio de Janeiro, Rocco, 2012), A delicadeza: estética, experiência e paisagens (Brasília, Ed.UnB, 2005), O homem que amava rapazes e outros ensaios (Rio de Janeiro, Aeroplano, 2002) e Nós os mortos: melancolia e neo-barroco (Rio de Janeiro, 7Letras, 1999), organizador, ao lado de Andréa França, de Cinema, globalização e interculturalidade (Chapecó, Argos, 2012)

Ficha do Trabalho

Título

    Corpo dândi: Bryan Ferry em Painted Smile

Seminário

    Corpo, gesto, performance e mise en scène

Resumo

    O dandismo remete mais a um modo de vida, ou mais precisamente, a fazer de si uma obra de arte no horizonte de um estética do artifício. Emergente na Inglaterra e na França, na passagem do século XVIII para o século XIX, esta constituição de si como obra de arte se atualiza na cultura midiática e se sustenta, no clip “Painted Smile” de Bryan Ferry, na valorização de um corpo que é sobretudo superfície, definido mais pela roupa do que pela pele, mais pela pose do que pelo gesto.

Resumo expandido

    Ao retomar o interesse por estéticas do artifício no contemporâneo, depois de ter estudado o neobarroco e o camp, gostaria de me deter no dandismo. Diferente dos outros termos que podem ser pensados como categoria estética (camp) ou até mesmo um movimento artístico (neobarroco), o dandismo é mais fluido e remete mais a um modo de vida, ou mais precisamente, a fazer de si uma obra de arte. Mas o que é o dândi? Para muitos, o termo hoje é restrito à moda e à elegância mas seu sentido é mais amplo do que isto. Embora sua presença seja localizada em diferentes momentos e culturas, uma cristalização desse personagem acontece entre o século XVIII e XIX, notadamente na Inglaterra e na França. Nesse momento, Beau Brummel foi o dândi mais célebre. Ele é visto como alguém que lança modas e precursor das celebridades contemporâneas, chamado por uma de suas admiradoras não correspondidas de “um palácio num labirinto” (apud BOLLON, 193). Esta formulação imagética, mais do que um conceito preciso, se desdobra na, talvez mais conhecida formulação sobre o dândi, feita por Baudelaire, para quem, ele é “um sol que declina, frio e melancólico” (1988, 193), recuperada por Walter Benjamin. Seja um poseur frio ou artista melancólico, distante e sedutor, o que interessa é pensar a atualidade do dândi que poderia ser sintetizada em algumas questões: O dândi seria um aristocrata do gosto, uma figura nostálgica em busca de beleza? Seria a beleza e a elegância possíveis de serem evocadas sem ser como alienação sob o império da politização da estética? Poderíamos atualizá-lo para além do camp que Susan Sontag (1964) defende como a experiência possível do dandismo na cultura midiática?
    Minha sugestão nessa apresentação é de que ele poderia ir além atualmente de subculturas que buscam uma marca de distinção e se traduzir como uma das possibilidades de uma rearticulação entre arte e vida no seio mesmo da cultura midiática e de uma estética do artifício que explora a pose no lugar do gesto, a máscara no lugar do rosto, a roupa no lugar do corpo. O dândi não precisa ser artista já que para ela a grande obra de arte seria a própria vida, o cultivo de si mesmo. Mas para nos aproximarmos de Bryan Ferry, acredito que a linhagem dos dândis artistas, como formulada por Baudelaire, nos auxilia, na busca da atualização desse personagem alegórico, para usar a expressão benjaminiana, da modernidade do século XIX, entre o passado aristocrático e um presente marcado por uma burguesia emergente, que encontram no esteticismo um refúgio e uma possibilidade de encontro.
    A fim de tornarmos mais concretas algumas da questões levantadas discutiremos o videoclipe Painted Smile de Bryan Ferry. Entre pop star e dândi, este clip constrói um corpo que foge da necessidade de uma presença forte, dissolvendo-se na imaterialidade da imagem. O corpo, aqui, ao contrário, é difuso, desfocado marcado por poses e maquiagem, sem nenhuma expressão de autenticidade. A roupa é uma segunda pele. Assim como a canção se dissolve numa ambiência, as palavras se dissolvem em música, o cantor recupera um imaginário heterossexual para o dândi, presente em Beau Brummel. O clip é uma fantasia masculina povoada por mulheres evanescentes e que nunca o tocam. Sempre há uma distância entre os corpos, um vidro que separa, numa encenação artificiosa de superfícies transparentes e foscas, um cenário suspenso no tempo e no espaço, dentro dos lábios pintados que se descolam do rosto como uma máscara. As imagens em câmera lenta são para reter a beleza que o tempo corrói. Aqui as mulheres flanam, são ninfas virtuais, próximas mas intocáveis. É o artifício delas que seduz o cantor-dândi e que o leva a naufragar nesse mundo de máscaras. Bryan Ferry vive o paradoxo de um pop star que se constrói pelo seu próprio desaparecimento e pela sua discrição.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. Estâncias – a palavra e o fantasma na cultura ocidental. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
    BARBOSA, André Antônio. “O dandismo de dois filmes contemporâneos”. Compós 2015. Disponível em: http://www.compos.org.br/biblioteca/autor-compos-2015-349a3f88-c122-43b1-bdc8-d46375826a33_2771.pdf. Acesso em: 29/04/2016
    BAUDELAIRE, Charles. “Dândi” In: COELHO, Teixeira (org.). A Modernidade de Baudelaire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
    BOLLON, Patrice. A moral da máscara. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
    FOUCAULT, Michel.. Ditos e Escritos V – Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
    GARELICK, Rhonda. Rising Star: Gender, Dandyism, and the Performance in in the Fin de Siècle. Princeton: Princeton University Press, 1998.
    SONTAG, Susan. Notas sobre o “Camp”. 1964. Disponível em: https://perspectivasqueeremdebate.files.wordpress.com/2014/06/susan-sontag_notas-sobre-camp.pdf. Acesso em: 29/04/2016