Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Renata Soares Junqueira (UNESP)

Minicurrículo

    Renata Soares Junqueira é bacharel (1987), mestre (1992) e doutora (2000) em Letras, na área de Teoria Literária, pela Universidade Estadual de Campinas, e livre-docente (2010) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), onde desde 1994 ensina Literatura Portuguesa na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. É autora de TRANSFIGURAÇÕES DE AXEL: LEITURAS DE TEATRO MODERNO EM PORTUGAL (SP: Editora da UNESP, 2013) e organizou MANOEL DE OLIVEIRA: UMA PRESENÇA (SP: Perspectiva, 2010).

Ficha do Trabalho

Título

    Paródia do herói no cinema épico de Manoel de Oliveira e Glauber Rocha

Seminário

    Cinemas em português: aproximações – relações

Resumo

    Visando a uma comparação do cinema de Manoel de Oliveira com o de Glauber Rocha a partir da hipótese de que ambos adotam um método de articulação diegética que os aproxima do teatro de Brecht – por produzir um efeito de distanciamento que dificulta a identificação do espectador com o que na tela se vê –, este trabalho pretende lançar luz sobre procedimentos formais que contribuem para a desconstrução da figura do herói de modo a anular a capacidade que este tem de captar adesão emocional.

Resumo expandido

    Este trabalho é resultado parcial de um projeto de pesquisa que propõe uma comparação do cinema do realizador português Manoel de Oliveira (1908-2015) com o do brasileiro Glauber Rocha (1939-1981) a partir da hipótese de que os dois artistas adotam um método disjuntivo de composição diegética que os aproxima do teatro épico de Bertolt Brecht (1898-1956). Trata-se de proposta interdisciplinar que prevê um entrecruzamento da teoria literária – nomeadamente no que concerne aos estudos de teatro – com teorias do cinema e com estética da encenação. É provável que o enfoque interdisciplinar nos permita, através de uma comparação de filmes dos dois cineastas, compreender melhor não apenas o uso que cada um deles faz de fontes literárias – teatrais ou não – e históricas, mas também a dimensão política que a interpretação dessas fontes e o modo próprio de vazá-las em linguagem cinematográfica conferem às duas cinematografias. Se essa dimensão política é evidente em Glauber Rocha, que preconizava uma arte engajada e que teve que se exilar para escapar das garras afiadas da ditadura militar brasileira, não tem sido bem compreendida em Oliveira, talvez porque neste se apresenta mais veladamente, quase sempre mediatizada por fina ironia e sem qualquer propósito de instrumentalização ideológica da arte.
    Nesta ocasião pretendemos tratar especificamente de alguns procedimentos formais que contribuem para a desconstrução da figura do herói de modo a anular a capacidade que este tem de provocar a adesão emocional do espectador. Veremos que, por meio da paródia, os dois cineastas obtêm resultados similares no que concerne à produção de um efeito de distanciamento que lembra muito a proposta brechtiana de teatro.
    Se em NON, OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR (1990) Manoel de Oliveira desconstrói mitos através de uma revisão crítica que contempla não as vitórias mas as derrotas sofridas pelo povo português ao longo da história da sua formação e da sua expansão territorial – parodiando nessa épica às avessas, com uso de recursos cenográficos, de indumentária e de caracterização das personagens, figuras de heróis como Viriato, líder dos lusitanos; o decepado na célebre Batalha de Toro; ou ainda D. Sebastião e os nobres que o acompanharam a Alcácer-Quibir –, por procedimentos parodísticos semelhantes Glauber Rocha dificulta a adesão emocional (acrítica) do espectador aos atos dos protagonistas de O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO (1969). Com efeito, planos como o de Antônio das Mortes tentando reanimar o professor de história do Brasil (interpretado por Othon Bastos, que já fora o revolucionário Corisco em DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL), que se deixa arrastar completamente derrotado e entregue ao alcoolismo, ou o de ambos, Antônio das Mortes e professor, rolando no chão e disparando contra os jagunços do coronel Horácio as suas armas de fogo à maneira de cowboys americanos, são planos que despertam a suspeita do espectador – e o seu consequente distanciamento crítico – na medida em que sugerem uma associação à paródia, seja pela sobreposição repentina de banda sonora dissonante (no primeiro caso, o samba “Volta por cima”, cantado por Noite Ilustrada, faz implodir a seriedade dramática da cena), seja pela ostentação irônica de arremedo do gênero western, seja ainda pelo uso de outros recursos cinematográficos que a análise evidenciará.
    Esperamos assim oferecer alguns subsídios para uma percepção ampliada da relação que se estabelece, nas duas obras, entre a forma épica e o propósito humanístico e político do filme.

Bibliografia

    BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro: para uma arte dramática não-aristotélica. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Lisboa: Portugália, 1964.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Cuando las imágenes tomam posición: el ojo de la historia 1. Trad. Inés Bértolo. Madrid: Antonio Machado Libros, 2008.

    GRILO, João Mário. O cinema da não-ilusão: histórias para o cinema português. Prefácio de Manoel de Oliveira. Lisboa: Livros Horizonte, 2006. (Horizonte de Cinema).

    JOHNSON, Randal. Oliveira político. In: CRUZ, Jorge, MENDONÇA, Leandro, MONTEIRO, Paulo Filipe, QUEIROZ, André (org.). Aspectos do cinema português. Rio de Janeiro: UERJ, SR-3, Edições LCV, 2009. p. 23-48.

    ROCHA, Glauber. Revolução do cinema novo. Pref. Ismail Xavier. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

    XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

    ______. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 4 ed. SP: Paz e Terra, 2008.