Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    NINA VELASCO E CRUZ (UFPE)

Minicurrículo

    Professora Adjunta do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Faz parte do colegiado do curso de Cinema e Audiovisual e da Pós-Graduação em Comunicação da UFPE. Atualmente desenvolve a pesquisa Fotografia, Cinema e Memória: a questão da Temporalidade nas Imagens Técnicas Contemporâneas.

Ficha do Trabalho

Título

    Filmando frame a frame: Rose Lowder e seus buquês imagéticos

Seminário

    Interseções Cinema e Arte

Resumo

    Dentre as técnicas cinema criadas pelo experimental para desconstruir o dispositivo cinematográfico, se encontra o flicker, ou a filmagem frame a frame. Rompendo com a linearidade ilusória do movimento, o flicker teve seu auge na década de 60 e seu maior expoente foi Paul Sharitis. Rose Lowder, no entanto, continua renovando essa experiência. Os filmes da série Bouquet (1994-2005) se diferenciam por formarem composições semelhantes à música em que o conjunto de imagens captadas do real rompem com a narrativa e criam algo como um ‘motivo’ (nos termos de Phillipe-Allan Michaud).

Resumo expandido

    Sabemos que o cinema experimental teve como uma das principais tarefas o questionamento do dispositivo hegemônico cinematográfico (que inclui a narrativa romanesca, a ilusão da perspectiva renascentista garantida pela câmera cinematográfica, e a arquitetura da sala de projeção). Dentre as diversas maneiras pelas quais o cinema experimental perverteu esse dispositivo está a técnica do flicker, que teve seu principal difusor o cineasta Paul Sharitis. Essa técnica, que dissocia a velocidade da gravação da velocidade da projeção, desconstrói a sensação ilusionista de que assistimos a um movimento contínuo, obtida normalmente com a projeção de uma imagem captada 24 frames por segundo e projetada nessa mesma velocidade. Como bem afirma Michaud: “no flicker, filmando imagem por imagem, a projeção não é mais a reconstituição da gravação: a percepção do défilement real, descontínuo, pode então substituir a ilusão do movimento contínuo” (MICHAUD, 2014, p. 139).
    Apesar dessa técnica ter surgido cedo na história do cinema e de ter tido seu auge na década de 60 com os experimentos de Paul Sharitis (MICHAUD, 2014, p. 141), ela praticamente desaparece quando a videoarte ganha força e permite muitas outras maneiras de romper com a linearidade da imagem em movimento (como as técnicas de recortes e justaposição de janelas, a mixagem de imagens e a incrustação da imagem com Chroma Key, descritas por Dubois). Não deixa de ser surpreendente, então, que ainda haja espaço para se produzir experiências profícuas com o uso dessa técnica altamente artesanal após o surgimento do digital. É o que atesta o trabalho de Rose Lowder, cineasta experimental nascida no Peru e nacionalizada francesa.
    Seus filmes, produzidos em película 16mm desde 1977 até os dias atuais, se constroem a partir de diferentes maneiras de modular características visuais, plásticas, gráficas ou fotográficas das imagens ao longo de sua transformação no tempo. Através da criação de um dispositivo que une captação e montagem fílmica na própria câmera (usando uma câmera que permite que ela filme alguns frames em qualquer parte da película, a diretora filma e rebobina a película diversas vezes), o filme funciona como um tecido de imagens formadas em diferentes tempos, rompendo com o efeito temporal linear que marca a concepção do cinema como imagem em movimento. É o que acontece na série Bouquets, constituída de 30 filmes produzidos entre 1994 e 2005, para a qual a artista criou também uma metodologia de anotação gráfica que dá visualidade a seu processo criativo, ao mesmo tempo que gera uma nova camada para seu trabalho.
    Como o título sugere, a maior parte das imagens dessa série é composta por flores (mas não apenas) que se reúnem em um mesmo conjunto espacial a partir da técnica da montagem. As cenas foram colhidas, em sua maioria, em jardins silvestres europeus e apresentam muitas vezes um mesmo conjunto captado em diferentes horas do dia e a partir de diferentes ângulos. Cada filme dura aproximadamente um minuto e é composto de 1440 frames. A composição desses frames, parece, a princípio, aleatória. No entanto, a diretora segue um plano rigorosamente pré-estabelecido. Para tal Rose produz cartelas em que ela planeja e anota o que será captado em períodos de tempo variáveis, frame a frame, segundo a segundo. Dessa maneira, ela pode evitar sobrexposições, assim como prever com alguma precisão os efeitos gráficos produzidos pela fusão natural das imagens resultantes da técnica.
    Ao contrário do que costuma acontecer na maioria dos filmes de filmagem frame a frame (como os mais conhecidos de Paul Sharitis), o resultado estético obtido por Rose Lowder não produz a sensação de piscar alucinógeno que marca o efeito do flicker. Pelo contrário, suas composições – seu método é comparado por ela própria com a criação musical – formam uma espécie de ornamento que transformam a realidade em um “motivo” (MICHAUD, 2011, p. 40).

Bibliografia

    DELEUZE, Gilles. Bergsionismo. São Paulo: Ed. 34, 1999.
    DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac & Naif, 2004.
    LOWDER, R. Rose Lowder by Rose Lowder. E-book, Light Cone Editions, 2015.
    MACIEL, Katia. Transcinemas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.
    MICHAUD, Philippe-Alain. Filme: por uma teoria expandida do cinema. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 2014.
    ____________. “Conjuration, imitation” IN: Electric Nights: Art and Pyrotechnics. Editado por MICHAUD, WEIL e Le BON, Guijon: LABorial, 2011.