Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Erick Felinto de Oliveira (UERJ)

Minicurrículo

    Erick Felinto é Doutor em Literatura Comparada pela UERJ/University of California, Los Angeles, com Pós-Doutorado em Estudos de Mídia pela Universität der Künste Berlin. É pesquisador do CNPq e professor associado na UERJ, onde realiza pesquisas sobre cinema e cibercultura. É autor dos livros “Avatar: o Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais” (Sulina, 2010, com Ivana Bentes) e “O Explorador de Abismos: Vilém Flusser e o Pós-Humanismo” (Paulus, 2012, com Lucia Santaella), entre outros

Ficha do Trabalho

Título

    A Astúcia da Matéria: Notas sobre a Animação do Inorgânico

Seminário

    Interseções Cinema e Arte

Resumo

    Seria possível falar em uma tradição de “animação do inorgânico” no cinema experimental e nas intercessões entre cinema e arte? Em outras palavras, existiriam, na história do cinema, exemplos suficientes de vivificação de objetos inanimados de modo a podermos ali identificar um dado expressivo das estéticas modernas? Parte-se da hipótese de um progressivo declínio do tradicional ponto de vista antropocêntrico e do modelo de subjetividade humanista como motores da ascensão dos objetos no cinema.

Resumo expandido

    Seria possível falar em uma tradição de “animação do inorgânico” (cf. Papapetros, 2012) no cinema experimental e nas intercessões entre cinema e arte? Em outras palavras, existiriam, na história do cinema, exemplos suficientes de vivificação de objetos inanimados – que muitas vezes se tornam mesmo o foco decisivo do olhar da câmera – de modo a podermos ali identificar um dado expressivo das estéticas modernas? Seguindo as indicações de autores como Dorothee Kimmich, o objetivo deste trabalho é demonstrar que, entre os modernos, “as coisas são frequentemente vivas ou quase vivas” e que precisamente se tornam vivas “antes de tudo na tela” (Kimmich, 2011, p. 11 e p. 85). Através da breve análise de alguns exemplos cinematográficos – mas também da esfera das artes plásticas e da literatura –, pretende-se operar com a hipótese de um progressivo declínio do tradicional ponto de vista antropocêntrico e do modelo de subjetividade humanista liberal a partir de pelo menos fins do século XIX. De fato, seria em função dessa desintegração gradativa do sujeito moderno (fortemente acentuada na contemporaneidade) que as coisas vêm ocupar um lócus cultural ao mesmo tempo fascinante e ameaçador – identificado, muitas vezes, com a noção de “inquietante estranheza” (Unheimlich). Se é verdade que o maquinismo possui “uma realidade autônoma e determinante” em certas expressões das vanguardas artísticas, como propõe Marc Le Bot (1973, p. 188), seria de se esperar que o cinema, em seu diálogo com as outras artes, fizesse também insistente recurso à animação do inorgânico. Em artistas tão diferentes como Jan Svankmajer, Michael Snow, Michael Hanecke ou Dziga Vertov manifesta-se, assim, uma poética dos objetos vivos que parece materializar um projeto filosófico moderno, claramente desenhado, por exemplo, na obra de Walter Benjamin, com sua fixação nas figuras das pedras, dos animais e dos anjos. Obsessão que Beatrice Hanssen definiu como uma “de-limitação do sujeito humano” (1998, p. 4) a partir da perspectiva de uma história não-antropocêntrica e fundada na figura do inumano (Unmensch). Não é casual, contudo, que esse tema tenha apenas muito recentemente conquistado atenção especial da crítica, como parece testemunhar a coletânea de ensaios Cinematographic Objetcs: Things and Operations (2015), editada por Volker Pantenburg. Tal atenção emerge precisamente no contexto de um renovado interesse das ciências humanas pelos objetos (em especial, os objetos tecnológicos) e pela materialidade do mundo; uma cena teórica marcada pela ascensão de propostas filosóficas como a da “ontologia dirigida aos objetos” (Cf. Harman, 2011) e por reconfigurações das ciências sociais, como a operada por Bruno Latour com seu “parlamento das coisas” (Cf. Latour, 2000). Lançando mão de um arsenal teórico que inclui a “arqueologia da mídia” e as propostas das “materialidades da comunicação”, buscar-se-á delinear os impactos estéticos, filosóficos e culturais daquilo que Vilém Flusser poeticamente definiu – provavelmente retomando o filósofo Friedrich T. Vischer (Papapetros, 2012, p. 239) – como a “astúcia da matéria” (die Tücke der Materie) e dos objetos (2002, p. 61), em obras cinematográficas produzidas em diálogos com as artes plásticas e/ou com a literatura.

Bibliografia

    FLUSSER, Vilém. Vampyroteuthis Infernalis: Eine Abhandlung samt Befund des Institut Scientifique de Recherche Paranaturaliste. Göttingen: European Photography, 2002.

    HAMES, Peter (ed.). The Cinema of Jan Svakmajer: Dark Alchemy. London: Wallflower Press, 2008.

    HANSSEN, Beatrice. Walter Benjamin’s Other History: of Stones, Animals, Human Beings and Angels. Berkeley: University of California Press, 1998.

    HARMAN, Graham. The Quadruple Object. Winchester: Zero Books, 2011.

    KIMMICH, Dorothee. Lebendige Dinge in der Moderne. Konstanz: Konstanz University Press, 2011.

    LATOUR, Bruno. Jamais fomos Modernos. Rio de Janeiro: editora 34, 2000.

    LE BOT, Marc. Peinture et Machinisme. Paris: Klincksieck, 1973.

    PANTENBURG, Volker (org.) Cinematographic Objects: Things and Operations. Berlin: August, 2015.

    PAPAPETROS, Spyros. On the Animation of the Inorganic: Art, Architecture and the Extension of Life. Chicago: University of Chicago Press, 2012.