Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Cristina Teixeira Vieira de Melo (PPGCOM/UFPE)

Minicurrículo

    Professora do Departamento e da Pós-graduação em Comunicação da UFPE. Doutora em linguística pelo IEL/Unicamp. Mestre em linguística pelo PPGL/UFPE.

Ficha do Trabalho

Título

    A bela e a boa morte na TV, transmutações do corpo

Resumo

    Time of death (2013) é uma série documental de seis episódios do Showtime. Câmeras registram os últimos dias de vida e a hora da morte de oito doentes terminais. Analisamos como os procedimentos narrativos utilizados pelo programa demonstram/justificam a sua missão “humanista” e simultaneamente/concorrentemente correspondem às expectativas do espetáculo midiático que necessariamente o é. Para tanto, tensionamos a figura da “boa morte”, ideário da medicina paliativa que está na base conceitual de Time of death, com outras “figuras da morte”, seja a da “bela morte” personificada pelo herói grego ou a morte do herói romântico. Interessa-nos verificar até que ponto o programa convoca cenas típicas do que é considerado uma “bela morte” – “a luta e a morte no campo de batalha”, “a morte junto aos familiares”, “a morte nos “braços da amada”, “a verdade das últimas palavras”, etc. – fazendo-as coincidir com os gestos, as performances, as mise en scène dos personagens.

Resumo expandido

    Time of death (2013) é uma série documental de seis episódios produzida pelo canal de TV por assinatura norte-americano Showtime. As câmeras registram os últimos dias de vida de oito doentes terminais junto a seus familiares, amigos e aos profissionais de saúde que os acompanham. O programa difere por demais de outros gêneros televisivos que costumam representar a morte. Sabe-se que embora pertencentes a campos distintos, respectivamente o da informação e o do entretenimento, os programas policiais e os filmes de terror investem numa superexposição do corpo morto, retratando a morte de forma violenta e, por vezes, grotesca. Os telejornais, por sua vez, costumam suprimir o corpo do cadáver, a exceção é a cobertura que realizam da morte de figuras públicas. As telenovelas e outros programas de cunho melodramático, quando comparados aos telejornais, parecem sofrer menos constrangimentos para mostrar a doença e a morte. Mas, no geral, não costuma-se ver nesse tipo de narrativa a degenerescência do corpo físico. A personagem doente termina se curando ou consegue adaptar-se às suas novas limitações. Já em Time of death todos os protagonistas morrem ao final. O próprio título da série evidencia isso. A morte não é algo incidental na vida das pessoas retratadas; ao contrário, o início da narrativa audiovisual se dá no momento mesmo do anúncio de que a morte de cada uma se aproxima. O horizonte de expectativa de vida é mínimo. Morte anunciada, as câmeras passam a publicizar aquilo que no geral se quer esconder: a decrepitude do corpo e a morte. O programa suscita questionamentos vários de natureza ética: Por que dar a ver algo que para a sociedade contemporânea tornou-se um interdito? Por que mostrar a degradação do corpo e a morte do outro? Por que o outro, por sua vez, se deixa filmar em tal estado? Parte dessas perguntas, os próprios participantes respondem. Na esteira do que preconiza o ideário da medicina paliativa, enfermos, familiares e cuidadores alegam que é necessário tratar a morte como parte da vida, aceita-la, falar sobre ela, torna-la visível. Esse discurso sobre o morrer e a morte se alia a práticas de “humanização” do tratamento de doentes terminais que buscam proporcionar-lhes uma “morte digna”, a chamada “boa morte”. Isso implica ter à disposição do doente uma equipe multidisciplinar que possa cuidar da pessoa como um todo, controlando os sintomas da doença, evitando que sinta dor, dando-lhe suporte emocional, social e espiritual, bem como a seus familiares. A “boa morte” retoma o ritual de se morrer em casa, próximo de parentes e amigos. O moribundo não fica isolado. A medicina paliativa almeja a produção de uma cena tranquila, pacífica e visível em torno da morte. Tal construção consiste numa postura de aceitação do término da vida. Ainda segundo o modelo paliativista, o morto deve deixar uma marca singular para seu círculo social. Nesse contexto, a cena final é construída para se tornar uma lembrança para os que permanecem vivos. A partir dessas considerações sobre a medicina paliativa e sua ideia da “boa morte” (Menezes e Barbosa, 2013), buscamos analisar como os procedimentos narrativos (enquadramentos, planos, montagem, mise en scène, etc.) presentes em Time of death demonstram/justificam a missão “humanista” do programa e simultaneamente/concorrentemente correspondem às expectativas do espetáculo midiático que necessariamente o é. Para tanto, tensionamos a figura da “boa morte” acima descrita com outras “figuras da morte”, seja a “bela morte” personificada pelo herói grego (Vernant, 1977) ou a morte do herói romântico. Enfim, interessa-nos verificar até que ponto Time of death convoca, reivindica cenas típicas do que é considerado uma “bela morte” – “a luta e a morte no campo de batalha”, “a morte junto aos familiares”, “a morte nos “braços da amada”, “a verdade das últimas palavras”, etc. – fazendo-as coincidir com os gestos, as performances, as mise en scène dos personagens.

Bibliografia

    ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

    ELIAS, Norbert. A solidão dos moribundos seguido de envelhecer e morrer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

    MENEZES, Rachel Aisengart; BARBOSA, Patrícia de Castro. A construção da “boa morte” em diferentes etapas da vida: reflexões em torno do ideário paliativista para adultos e crianças. In: Ciência & Saúde Coletiva, 18(9): 2653-2662, 2013.

    VERNANT, Jean-Pierre. A bela morte e o cadáver ultrajado. São Paulo: USP. 1977.