Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Sancler Ebert (UFSCar)

Minicurrículo

    Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos, no qual defendeu a dissertação Fronteiras em discussão: Pensando as interações entre ficção e documentário em Diários de motocicleta por meio da intermidialidade (2016). Membro do grupo de estudos Cinemídia, coordenado pelos professores Dra. Flavia Cesarino Costa, Dr. Samuel Paiva e Dra. Suzana Reck Miranda. Representante Discente do Conselho Deliberativo da Socine (2015-2017).

Ficha do Trabalho

Título

    A fotografia como instrução documentarizante em Diários de motocicleta

Resumo

    Neste trabalho analisaremos como o filme Diários de motocicleta (Walter Salles, 2004) usa a fotografia still para instruir leituras documentarizantes (Odin, 2012). Utilizaremos a intermidialidade como metodologia, para pensarmos a relação entre fotografia e cinema e a partir das reflexões de Barthes (1984), Dubois (1994), Sontag (2007), Belour (1997), Aumont (2009) e Campany (2008) discutiremos as diferenciações entre as duas mídias, como nas questões do olhar, do tempo e da indicialidade.

Resumo expandido

    Neste trabalho vamos analisar como o filme Diários de motocicleta (2004), de Walter Salles, utiliza a fotografia still e referencia o trabalho de fotógrafos documentais para instruir leituras documentarizantes (Odin, 2012). O filme conta com três sequências em preto e branco (diferentemente do restante da obra que é em cores), nas quais figurantes e pessoas comuns posam para a câmera como fossem ser fotografados, olhando diretamente para a lente na espera do seu retrato. Embora os “fotografados” fiquem parados para o registro, a câmera cinematográfica continua a registrar os pequenos movimentos: o piscar dos olhos, o funicular que desce ao fundo da imagem ou o cavalo que move sua cabeça ao lado de um personagem. Tais sequências emulam a fotografia still, embora não sejam propriamente imagens sem movimento. Além disso, podemos perceber referências ao trabalho de fotógrafos documentais como Walker Evans, Robert Frank, Martín Chambi e Sebastião Salgado: pela escolha dos personagens, pelos enquadramentos, pelos cenários, pelo olhar frontal e pela decisão em registrar as imagens em preto e branco.
    Nossos objetivos aqui são refletir o que essa emulação proporciona à obra, compreender a escolha por essas referências e discutir como esses dois pontos possibilitam instruções de leitura documentarizante. Odin (2012) sugere que o grau de referência à realidade do filme pode ser considerado como uma das possíveis oposições entre ficção e documentário. O que os distinguiria seria o tipo de leitura realizada pelo espectador: caso a imagem construída considere a origem do enunciador como inexistente ou fictícia, se constitui uma “leitura fictivizante”; por outro lado, se o espectador construir uma imagem do enunciador como sendo real, há uma “leitura documentarizante”. Odin propõe que além da leitura empreendida pelo espectador, o filme pode instruir leituras documentarizantes e fictivizantes, por meio de certos elementos, como no caso de Diários de motocicleta, pelo uso da fotografia.
    Para a análise, utilizaremos como metodologia a intermidialidade, teoria que pensa a relação entre as mídias, como o cinema e a fotografia, nosso exemplo aqui. Rajewsky (2012) propõe três fenômenos intermidiáticos. Focaremos neste trabalho em dois: a combinação de mídias, quando temos mais de uma mídia visível em outra, como em Diários de motocicleta no qual a fotografia still apresenta suas características, para além daquelas já associadas a fotografia cinematográfica; e as referências intermidiáticas, quando temos a citação de uma mídia em outra, algo que também percebemos no filme de Salles, que referencia o trabalho de fotógrafos documentais já citados.
    Tais fenômenos serão pensados a partir das reflexões de Barthes (1984), Dubois (1994), Sontag (2007), Belour (1997), Aumont (2009) e Campany (2008). Vamos discutir as diferenciações entre cinema e fotografia, como na questão do olhar, que é esperado na fotografia (BARTHES, 1984) e “proibido” no cinema clássico (DUBOIS, 1994), pois ele pode tirar o espectador da imersão cinematográfica. Também nos debruçaremos sobre como as duas mídias se relacionam com o tempo e como a emulação da fotografia no cinema pode criar o que Bellour (1997) chama de “instante pregnante”: “(…) esses instantes que suspendem o tempo do movimento, abrindo no interior do tempo um outro tempo? Em primeiro lugar, por fazerem o filme pender para o lado da fotografia e de sua força em inscrever a morte” (BELLOUR, 1997, p. 138). Outro ponto que vamos explorar é a carga documental própria à fotografia por sua constituição como índice. “A foto é literalmente uma emanação do referente” (BARTHES, 1984, p. 120-121). Por meio desses e outros questionamentos poderemos refletir como a relação entre fotografia e cinema em Diários de motocicleta instrui as leituras documentarizantes propostas por Odin (2012).

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 2009.
    BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
    BELLOUR, Raymond. Entre-imagens. Foto, cinema, vídeo. Campinas: Papirus, 1997.
    CAMPANY, David. Photography and Cinema. Londres: Reaktion Books, 2008.
    DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994.
    ODIN, Roger. Filme documentário, leitura documentarizante. Significação – revista de cultura audiovisual, ano 39, no. 37, 2012, p. 10-30.
    RAJEWSKY, Irina. A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. In: DINIZ, Thaís F. N.; VIEIRA, André Soares (Orgs.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Volume 2. Belo Horizonte: Rona Editora: FALE/UGMF, 2012a. p. 51-73.
    SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.